Marcelo Queiroga é médico – e supõe-se que ele saiba que é médico.
Marcelo Queiroga, que é médico, é ministro da Saúde – e supõe-se que ele saiba que é ministro da Saúde.
Marcelo Queiroga, que é médico e ministro da Saúde, está, como todos nós, sob uma pandemia viral – e supõe-se que ele saiba que está sob uma pandemia viral.
Então, por que Marcelo Queiroga fica confundindo os brasileiros sobre a necessidade do uso de máscara, se ele sabe (supõe-se que ele saiba) que o vírus invade o organismo humano pelas vias aéreas superiores? Não são justamente boca e nariz que a máscara protege?
Corte.
No começo do século passado, mandou e desmandou no Brasil um político chamado Pinheiro Machado, representante puro do caudilhismo – era senador, mas deu ordens, sucessivamente, aos presidentes Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca. Em seu gabinete, não desgrudava do chimarrão. Inúmeros políticos, dentre eles ministros de Estado, disputavam a chance de servir-lhe a água fervente da chaleira, e alguns muito ansiosos até queimavam os dedos porque se aventuravam a pegá-la pelo bico.
Corria o ano de 1909 e tal fato gerou uma engraçada marchinha intitulada “No bico da chaleira”, composta por Juca Storoni: “Iaiá me deixe subir essa ladeira/que eu sou do grupo do pega na chaleira”. Assim, “Pegar na chaleira” virou sinônimo de adulação.
Corte.
Marcelo Queiroga, na CPI da Covid, com uma fisionomia que traduzia medo, defendeu com unhas e dentes o uso de máscara, chegando ao cabotinismo de elogiar a si mesmo por ter ordenado que todos os funcionários, nas dependências do Ministério da Saúde, usassem máscaras.
Na quarta-feira, 18 de agosto, Marcelo Queiroga já mudara de opinião. Ele jamais deveria ter dado entrevista ao canal bolsonarista Terça-Livre, sabendo (supõe-se que ele saiba) que o seu proprietário, Allan dos Santos, está com as contas bloqueadas por disseminar fake news por meio desse canal — muitas delas sobre a pandemia. Mas Queiroga deu entrevista e declarou-se contrário ao uso obrigatório de máscara. E também se posicionou contrariamente à aplicação de multa em quem não utilizar tal utensílio individual de proteção. Em três meses, mudou de opinião da água para o vinho; do bisturi para a sutura.
Corte.
Em 1945, já no final da ditadura do Estado Novo, imposta por Getúlio Vargas, fez grande sucesso outra marchinha que tem o mesmo sentido da tão antiga “No bico da chaleira”. Composta por Roberto Martins e Erastótenes Frazão, ela foi gravada pelo conjunto Anjos do Inferno e se chama “O cordão dos puxa-saco”: “Lá vem o cordão dos puxa-saco/dando vivas aos seus maiorais/quem está na frente é passado pra trás/e o cordão dos puxa-saco cada vez aumenta mais”. Essa marcha, ao contrário da anterior, não carece de explicação: todo mundo sabe o significado de puxa-saco.
Corte.
Sempre há alguém que nos faz relembrar o sucesso das marchinhas carnavalescas de 1909 e 1945.