Ele parece um vovô, mas tem a vitalidade de um jovem de 20 anos. A primeira impressão é que sua pintura é simples, mas sua obra é muito mais do que apenas suas pinturas de piscinas. David Hockney é um dos pintores mais importantes do século XX.

Nasceu no norte da Inglaterra em Bradford (1937), e foi um dos grandes artistas envolvidos no movimento pop art da década de 1960, criado para ampliar as cores e para destacar que a arte era muito mais do que os trabalhos enfadonhos da época

Aos 83 anos, ele ainda está pintando e fazendo novos experimentos com a arte, inclusive pinturas com iPad, sempre com cores fortes e marcantes. Muitos de seus trabalhos envolvem pessoas que ele ama, geralmente retratadas em pares para capturar seus relacionamentos e todos os sentimentos envolvidos nessas relações. Entre os retratados estão seus pais, amigos e seu ex-companheiro Gregory Evans. Costuma reunir imagens da natureza e de entes queridos, destacando como os relacionamentos mudam com o decorrer do tempo.

Hockney divide seu tempo entre Londres e sua casa de Los Angeles (Califórnia – EUA), local que adora pelo sol e pelos dias claros, constantemente retratados em seus trabalhos. Ele gosta de pintar piscinas dando a sensação que alguém acabou de pular na água, com um azul brilhante, trampolim e tudo mais que podemos ter direito.

A National Portrait Galery  começou este ano com a exposição “David Hockney: Drawing for Life”, na qual mostra retratos e autorretratos em papel com lápis, carvão e tinta, enfatizando o seu dom de testar novos materiais e de criar composições, inclusive com novas tecnologias. Um de seus retratos mais comoventes foi produzido em 1978, no dia do funeral de seu ex-marido. Desenhado em tinta sépia, a preferida de Rembrandt, o retrato mostra um homem de casaco e chapéu, como se estivesse avaliando a sua própria vida.

Essa capacidade criativa se dá porque ele trabalha sem parar. Carrega sempre consigo um caderninho e anota a todos os momentos novos detalhes, ideias e inspirações sobre absolutamente tudo o que vê pela frente para, depois, criar, pinturas especiais e cheias de significado. Cito um exemplo disso: “The Road to York through Sledmere” (1997), um maravilhoso quadro de uma estrada, cujas cores são notadas por poucas pessoas. Adoro esse quadro, que é um convite para olhar e refletir se realmente sabemos como é nossa jornada no mundo.

A história dessa pintura é tão impressionante quanto suas cores. Seu grande amigo Jonathan Silver estava morrendo, diagnosticado com câncer terminal no verão de 1997, Hockney deixou a Califórnia para ficar ao lado de sua cama e dirigia todos os dias da casa em Bridlington, onde sua mãe e irmã moravam, para Wetherby, do outro lado de York, uma rota que o levou até Garrowby Hill. As três primeiras fotos de Yorkshire desse período descrevem partes da rota: The Road to York through Sledmere (1997), The Road across the Wolds (1997) e North Yorkshire (1997). Jonathan via as telas molhadas conforme Hockney as produzia. Foi um dos maiores presentes que sua alma poderia receber naquele momento de dor e de proximidade da morte. Outras estradas e rotas começaram a ser registradas pelo pintor após esse episódio.

Acompanhar seu trabalho é como viver uma nova experiência a cada dia. Há pouco tempo, saiu de sua casa em Los Angeles para inaugurar em Londres um vitral com flores de espinheiro na Abadia de Westminster. Imediatamente depois, fugiu da metrópole movimentada e barulhenta para uma viagem de três dias ao vazio do norte da França para assistir ao pôr-do-sol nas docas de Le Havre, tal como fez Monet quando decidiu pintar a catedral da cidade. Em poucos dias, um novo projeto foi criado: pintar a primavera na Normandia, como fez em Yorkshire, mas de uma forma diferente, geometricamente vibrante e colorida, mas com vermelho saturado e muito roxo.

David Hockney na sabedoria dos seus quase noventa anos, destaca que estamos quase perdendo o sentimento de pertencer. Nessa jornada, ele continua produzindo trabalhando intensamente. Acaba de expor 100 novas obras na Royal Academy, apresentando imagens densas, ricas e com uma extraordinária profusão de cores. Também fez parte da exposição 116 impressões coloridas de iPad que capturam a primavera com a mesma intensidade que seu pincel, transmitindo aquela sensação de esperança, promessa e renascimento.

As imagens reforçam a ideia de que a natureza vai continuar e que a Covid-19 parou o mundo, mas não conseguiu impedir que a primavera ressurgisse. Que a energia de Hockney motive todos a enxergarem mais cores no mundo pós-pandemia! Se tiver uma boa história para compartilhar, aguardo sugestões pelo Instagram Keka Consiglio, Facebook ou no Twitter.