Quando Tatiana Schuwarten Mendonça, de 42 anos, casou-se com Ivan Guarita de Oliveira, no dia 13 de junho de 2015, o casal planejou ter filhos, cinco anos após o matrimonio. Mas como ela não conseguia engravidar, o casal resolveu investir na fertilização em laboratório. E nesse processo, há exato um ano, Tatiana descobriu um câncer neuroendócrino, localizado no pâncreas. A tentativa de gravidez teve que ser interrompida e ela começou uma terapia muito mais desgastante. Após ser submetida ao tratamento com quimioterapia, sem sucesso, a opção médica foi entrar com medicação nuclear, os chamados radiofármacos. Mais uma vez, o destino foi cruel. No dia 21 de setembro, data em que Tatiana teria que iniciar o ciclo medicamentoso, simplesmente não havia o remédio porque o Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), que é o responsável pelo processamento desse produto no Brasil, tinha sido obrigado a suspender sua fabricação por falta de dinheiro — as verbas do órgão foram cortadas pelo governo federal. Tatiana está com quinze dias de atraso no tratamento e a cada dia que passa sente mais medo do futuro. “Não sei o que vai ser daqui para frente”, desabafa.

APAGÃO O Ipen não tem verba suficiente para garantir a produção de radiofármacos: negligência do governo ameaça tratamentos indispensáveis (Crédito:Divulgação)

O caso de Tatiana não é único. Seu médico, Dalton Alexandre dos Anjos, diz que tem mais dois pacientes na mesma situação. “O tratamento com radiofármacos apresenta bom resultado, mas não se pode demorar”, afirma. O Ipen enviou um e-mail ao médico, no qual diz que só vai poder fornecer a medicação para um dos seus pacientes. “Encomendei para os três”, diz. A paralisação no Ipen durou dez dias e impactou diretamente dezenas de milhares de pessoas que tiveram seus exames diagnósticos adiados ou sua terapia interrompida. “A falta da medicação atingiu aproximadamente 470 serviços médicos em todo o Brasil, o que corresponde a 10 mil pacientes por dia”, afirma Rafael Willain Lopes, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear. O Ipen é vinculado à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), que por sua vez responde ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), sob a gestão do astronauta Marcos Pontes. Diante da crise, o Ministério, no dia 22 de setembro, transferiu R$ 19 milhões para o Inpe, dinheiro suficiente para atender a demanda de radiofármacos até a primeira quinzena de outubro, ou seja, responder aos atrasos, pagamentos, compra para a produção de quinze dias.

No total, o Ipen precisa de R$ 90 milhões para garantir o fornecimento da medicação até o final do ano. As verbas liberadas no mês passado são insuficientes e há o risco de um novo apagão.

Combate ao câncer

O câncer é a segunda causa de morte no Brasil. Só no ano passado, a doença foi responsável por aproximadamente 260 mil óbitos. Porém, os médicos explicam que se o tumor é descoberto no início as chances de o paciente sobreviver à enfermidade são grandes. Os radiofármacos proporcionam diagnóstico, acompanhamento e tratamento contra essa trágica patologia. Nesse ramo da ciência existem mais de vinte medicamentos que permitem a realização de exames funcionais que facilitam ao médico observar a evolução ou recrudescimento de diversos tumores, como os de mama, pulmão e próstata. Mas não só. Os radiofármacos também são usados para investigar problemas no coração, a exemplo da isquemia, quando falta sangue para o músculo cardíaco. Lopes explica que a produção desse tipo de fármaco é planejada, e que materiais radioativos têm tempo curto, após a fabricação, pois podem perder sua viabilidade com o passar do tempo. Adelina Sanches, médica nuclear, responsável pela Santa Casa de Misericórdia da Bahia, atende cerca de 250 pessoas ao ano para tratamento com radioisótopos. Ela assiste Cacilda Pereira, de 93 anos, que está em tratamento contra um tumor neuroendócrino. A filha de Cacilda, Ângela Felippi, diz que sua mãe tem sentido dores de cabeça e tonturas constantes. “A paciente está na última dose de um ciclo pré-determinado com intervalo de dois meses e o impacto desse atraso pode ser deletério”, diz a médica.

“A falta dos radiofármacos pode impactar dez mil pessoas por dia ”
Rafael Lopes, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (Crédito:Divulgação)

Cacilda deveria ter tomado a última dose do radiofármaco dia 9 de setembro. O Ipen não quis conceder entrevista à ISTOÉ. Em nota à imprensa, o MCTI não deu data para o fim do problema. Limitou- se a divulgar que há um projeto de lei a ser votado pelo Congresso Nacional, que, se aprovado, garantirá os recursos necessários ao órgão. Enquanto isso, para não “pirar”, Tatiana Mendonça optou em não se afastar do trabalho como gerente financeira. No dia a dia, ela conta com a companhia de Cloe, uma cachorrinha shih-tzu de cinco meses, que está sempre a seu lado, até na empresa. Se tudo der certo, ela deve tomar a medicação em 19 de outubro, com 28 dias de atraso.