PENÚRIA Abandono e destruição das instalações da UFRJ: falta dinheiro para realizar serviços de manutenção e pagar luz e água (Crédito:Márcia Foletto)

As universidades federais brasileiras estão à beira de um colapso. Sem recursos financeiros suficientes para manter atividades básicas, em setembro elas devem parar. Após o bloqueio pelo Ministério da Educação (MEC), em abril, de 30% das verbas previstas para custear as instituições, a conta não fecha. Com R$ 1,8 bilhão em recursos barrados pelo Executivo, não há dinheiro suficiente para pagar serviços essenciais de manutenção das instituições. É o caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que está com as contas de água, luz e gás atrasadas há dois meses e não sabe se conseguirá estender o atraso por mais um mês. Se não lograr êxito, as empresas fornecedoras de transporte, limpeza, alimentação e vigilância podem suspender os serviços em agosto. E sem a mínima condição para receber os alunos no Campus, as aulas devem ser suspensas.
O momento da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) também é alarmante. As contas da instituição já vinham sofrendo com a falta de correção inflacionária nos contratos, mas a situação ficou insustentável após os cortes do governo. Não há recursos suficientes para a conta de luz e o ar-condicionado foi desligado em algumas unidades, ficando restrito aos locais cujo equipamento é essencial, como laboratórios de pesquisa. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), assim como a Universidade Federal da Bahia (UFBA), também não vão conseguir seguir suas atividades se o ritmo de liberação de recursos continuar o mesmo.

“O Estado brasileiro não tem condições
de atender a demanda das universidades nos próximos anos” Abraham Weintraub, ministro da Educação (Crédito:CLAUDIO REIS / FramePhoto / AGÊNCIA O GLOBO)

A crise atual na área se agravou com a política do governo de Jair Bolsonaro que usa a educação como um meio para implementar a sua ideologia de controle moral das escolas e universidades. O erro, aqui, é misturar o público com o privado. Por público entende-se oferecer uma educação de qualidade que atenda as necessidades da população, e por privado a visão pessoal e militar do presidente sobre as instituições. Porém, é preciso ser justo. A situação catastrófica do Ministério da Educação não foi criada pelo governo Bolsonaro. O problema fiscal é uma realidade que se arrasta no País há anos e decorre da política econômica dos governos anteriores, principalmente na era petista. Na época, os gastos foram maiores que a receita,
o que gerou uma bola de neve fiscal.

Menos bolsas de pesquisa

Isso não legitima, no entanto, as recorrentes manifestações de incompetência do governo para lidar com a crise. Exemplo de ineficácia é a escolha dos responsáveis pela pasta da Educação. O filósofo Ricardo Vélez, que assumiu o ministério logo após a posse de Bolsonaro, se mostrou uma péssima escolha, a ver pelas suas propostas autoritárias e afirmações sobre ser “constitucional” o golpe de 1964. Demitido em abril, sua substituição também não foi uma escolha feliz. O atual ministro da Educação, o economista Abraham Weintraub, especialista em administração e finanças, também deixa a desejar. “O cérebro dele está direcionado para fazer cortes. Ele é competente, mas não tem uma visão ampla sobre a educação”, diz Francisco Borges, consultor da Fundação de Apoio à Tecnologia (FAT). Outra área que está com o sinal amarelo é a de bolsas de pesquisa, que afetam diretamente a rotina universitária. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnólogico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) suspendeu a concessão de novas bolsas por causa do contingenciamento de verbas federais. De acordo com o órgão, o orçamento para 2019 não paga nem as 84 mil bolsas já concedidas aos pesquisadores.

Apesar de o governo Bolsonaro afirmar a necessidade de o País crescer economicamente com uma política liberal, ele ignora que a produção acadêmica é fundamental para que esse caminho seja percorrido, afinal, as pesquisas são indispensáveis para uma nação deixar o status de “país subdesenvolvido”. Em vez de lidar com a crise atual, o governo quer reinventar a roda lançando uma proposta que está sendo criticada por especialistas e pelo meio acadêmico. O programa “Future-se”, anunciado pelo Ministério e que permanecerá em consulta pública até quinta-feira 15, é exemplo disso. Entre as medidas que propõe, está a venda dos “naming rights” de prédios de universidades para patrocinadores. Além disso, pretende comercializar imóveis da União ociosos e incluir a participação de Organizações Sociais (OS) na gestão de gastos. “Não chamo isso de programa, é uma proposta constrangedoramente rasa”, diz Fernando Cássio, professor de política educacional da Universidade Federal do ABC e colaborador da Campanha Nacional de Direito à Educação. “Tecnicamente é de baixíssima eficácia”, diz ele.

Entre os problemas do projeto apontados pelos estudiosos está o fato de que o arranjo proposto para a participação das Organizações Sociais é questionável. Por lei, cada OS pode administrar somente um contrato, mas a proposta abre brecha para que elas possam gerir vários deles. Outro problema seriam os litígios judiciais dos imóveis pertencentes às universidades. O “Future-se” prevê que eles sejam colocados em fundos imobiliários, mas na prática isso levaria tempo e não resolveria o caráter emergencial orçamentário enfrentado hoje pelas instituições. Outra questão seriam os Fundos Patrimoniais, que poderiam financiar pesquisas ou investimentos de longo prazo a partir de doações de empresas. “Isso não acontece da noite para o dia. Além disso, é errado defender essa proposta comparando-nos com os Estados Unidos porque lá a maior parte do dinheiro para pesquisa vem do Estado, não de instituições privadas”, diz Cássio.

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Baixa produtividade

Apesar das trapalhadas do Ministério da Educação, algumas medidas levantadas pelo “Future-se” são legítimas. Conectar universidade e mercado, por exemplo, é uma delas. Um estudo apresentado esse ano pelo MEC mostrou que na Coreia do Norte um aluno sai da graduação com a produtividade nove vezes maior que a apresentada quando entrou, enquanto em outros países da Ásia, a proporção é de quatro vezes. No Brasil esse índice é nulo. “Somos o único país em que o ganho é zero depois da graduação. Ou formamos muito mal ou não temos valor para o mercado”, diz Francisco Borges. Para ele, repensar o modelo é necessário, assim como criar uma política melhor de patentes. O problema, porém, é a maneira como o modelo está sendo proposto. “Ocorreu de uma forma extremada e essa é uma postura desse governo. O Future-se é uma grande nuvem de fumaça, não é de um dia para o outro que se articula universidade e mercado. Vai levar uns três ou quatro anos para que isso aconteça”, diz ele.

IMPASSE Manifestantes se mobilizaram em 204 cidades para protestar contra a política educacional do governo: futuro comprometido (Crédito:Bruno Kaiuca)

Outra crítica ao programa é o fato dele não respeitar a autonomia da universidade e o fato de que as medidas propostas já estão sendo desenvolvidas nas instituições. “O Programa foi elaborado pelo MEC sem a necessária interlocução com os reitores ou a comunidade acadêmica”, disse a reitoria da UFRJ em nota, que, assim como outras instituições, se incomodou com o fato do programa ter sido criado sem que reitores ou a comunidade científica tenham sido consultados. Para Cláudia Costin, diretora do Centro de Excelência e Inovação e Políticas Educacionais da FGV, a crise econômica do País é grave e é legítimo repensaros recursos educacionais com criatividade. A forma, no entanto, teria de ser revista.“A ideia de colocar Organizações Sociais para dialogar com as universidades é positiva, mas não está claro como isso vai acontecer. Essas organizações vão poder contratar professores sem estabilidade?”, questiona ela. “A comunicação do governo é desastrada e muito agressiva.”

As medidas desencadearam na semana passada protestos por todo o País. Na terça-feira 13, 204 cidades foram palco de manifestantes que foram às ruas protestar contra as políticas educacionais do governo. De acordo com a UNE, estiveram presentes 900 mil pessoas. Entre os participantes, o que se viu foram faixas críticas como “Exterminador do futuro ou enganos do Future-se”. Tratou-se do terceiro ato contra a educação do atual governo. Desta vez, no entanto, diversas bandeiras, não ligadas à educação, se misturaram ao movimento e enfraqueceram o discurso. Como foi o caso da presença da CUT e dos pedidos por “Lula Livre”. Isso nada tem a ver com a pauta da educação. Interesses políticos à parte, a agenda das Universidades é urgente e afeta esquerda e direita. Por isso, urge um discurso menos politizado e mais concreto.

O governo ignora a importância da produção acadêmica para que o difícil caminho do crescimento econômico seja percorrido


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