A ética na política tem uma dinâmica muito diferente de outras relações cotidianas. Não que isso seja uma virtude, mas ignorar o fato é de extrema inocência e a história tem mostrado que não há espaço para o purismo nos corredores palacianos. Essa lógica não é uma característica de exclusividade nacional. Mundo afora, as margens de permissividade para a vida pública também têm limites amplos. A CPI da Covid, no entanto, extrapola qualquer parâmetro. A encenação montada não é digna sequer para um canastrão. A vergonha alheia é exercitada com requinte de crueldade. O circo montado para se investigar os culpados pelas mortes por coronavírus é patético.
As perguntas feitas pelos parlamentares têm a maioria das respostas já conhecidas e de domínio público. Ninguém acredita que a má informação impere entre os parlamentares. Todos eles e todos nós vimos o presidente da República indicando a cloroquina como medicamento? Foi público o motivo da demissão do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. O presidente fez pouco caso da vacina, sim. O governo federal dificultou as relações com a China, importante fornecedora de insumos para a produção de imunizantes. O presidente tem incentivado, semanalmente, aglomerações e o não uso da máscara. Não tem nada a ser perguntado. Mesmo dentro de um circo, o enredo teria mais veracidade.
A CPI é fruto da ação do Supremo Tribunal Federal, que obrigou o Senado a instaurar o processo. Não será fácil esquecer por gerações que a covardia da Câmara e do Senado deixou um genocídio acontecer com complacência da maioria política. Já passam dos 450 mil mortos. O Centrão, aliado de primeiro momento de qualquer governo, sentou em cima de dezenas de pedidos de impeachment do presidente Bolsonaro. Como não pretende punir os culpados, o ideal é nem investigar direito. O pragmatismo político, levado às últimas consequências, ficou mais evidente. A história dos vencedores será escrita com manchas de sangue num circo de horror.
Ainda é cedo para vislumbrar o fim da CPI. Mas a tradição brasileira aponta para um forno bem aquecido esperando por uma pizza. Especialmente porque ela até seria desnecessária, já que apura fatos que o presidente da República faz questão de anunciar nas ruas e na mídia diuturnamente. A esperança é que, em algum momento, o presidente escorregue e não consiga cumprir com os compromissos firmados com o Centrão e que este grupo fisiológico se articule para cobiçar a cadeira do capitão. Isso sim fará a CPI caminhar a passos largos. Caso contrário, o papel de palhaço no circo vai sobrar para o povo.