Esta é a nova maneira de fazermos articulação política, disse triunfante o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), ao anunciar no último dia 1º a extensão do auxílio emergencial. Ao lado de Jair Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes, os líderes no Senado e no Congresso, Fernando Bezerra (MDB) e Eduardo Gomes (MDB), também roubaram a cena. Esse é o novo retrato do governo Bolsonaro: um ministro da Economia desidratado, um presidente calado e o Centrão ditando os rumos da administração. O grupo fisiológico não ganha eleições para presidente, mas dá um jeito de chegar ao poder. No caso atual, não opera apenas a pauta legislativa. Ocupa ministérios, bloqueia privatizações e controla verbas bilionárias.

MELHOR AMIGO O presidente do PP, Ciro Nogueira, já é chamado de “05”. O senador piauiense costuma ciceronear
as visitas do mandatário no Nordeste (Crédito:Edilson Rodrigues)

No núcleo duro do governo, o Centrão conta com o ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), que se aliou ao grupo durante a tramitação da Reforma da Previdência. É um parceiro providencial. Inimigo de Guedes, Marinho quer flexibilizar o teto de gastos e reorienta a administração para o Pró-Brasil, o novo PAC, que deve receber bilhões de reais. Além de apostar nas verbas que vão irrigar os contratos, o Centrão manobra para bloquear a venda das estatais. As privatizações, que eram uma aposta de Guedes, são exatamente o principal ponto de atrito entre a equipe do ministro e o grupo. As desestatizações dos Correios e da Casa da Moeda foram travadas. Esta última é área de influência de Roberto Jefferson, presidente do PTB, pivô no escândalo do Mensalão e novo aliado de Bolsonaro. O antigo presidente da autarquia, Alexandre Borges Cabral, foi indicado este ano por Valdemar Costa Neto, também preso no Mensalão e uma das principais lideranças do PL, para assumir a presidência do Banco do Nordeste (BNB). Foi exonerado um dia depois de tomar posse, após a revelação de que era alvo de uma apuração no TCU sobre suspeitas de irregularidades em contratações feitas em 2018, durante sua gestão na Casa da Moeda — um prejuízo estimado em R$ 2,2 bilhões.

Segundo escalão

No segundo escalão, o Centrão está fazendo a festa. O partido Republicanos ganhou a Secretaria de Mobilidade Urbana do Ministério do Desenvolvimento Regional, responsável pela construção e gestão de corredores de ônibus, veículos leves sobre trilhos (VLTs) e metrôs em várias cidades. Com as indicações, vêm os problemas. O novo titular, Tiago Pontes Queiroz, atuou no Ministério da Saúde durante o governo Temer, quando foi denunciado por improbidade administrativa junto com o ex-ministro Ricardo Barros, atual líder do governo, por supostos desvios na compra de medicamentos. Responsável por indicar o novo diretor-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), o deputado Sebastião Oliveira, do PL, foi alvo de operação da Polícia Federal, suspeito de integrar esquema ilícito exatamente no setor de infraestrutura.

No Congresso, Bolsonaro abriu caminho para os novos aliados afastando seus líderes mais fiéis — como a deputada Bia Kicis e o Major Vitor Hugo, ambos do PSL. Este último foi substituído exatamente por Ricardo Barros. A nova aliança estremeceu a relação entre o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o ministro da Economia. Guedes já anunciou que não vai mais fazer a interlocução com o Legislativo, delegando a tarefa à nova base governista. Essa mexida no bloco de sustentação também teve outras consequências. Depois da aproximação com Bolsonaro, o Centrão perdeu formalmente a adesão do DEM (28 cadeiras) e do MDB (35 cadeiras), mas mantém uma bancada considerável, de 204 deputados, que ainda não se provou eficiente nas votações no Congresso — o fiasco na votação do Fundeb foi apenas um sinal da precariedade da aliança.

Para o presidente, trata-se de uma transformação radical e constrangedora, causada pelo medo do impeachment. Bolsonaro, apesar de sempre ter transitado no baixo clero, elegou-se criticando a “velha política” e o “toma lá, dá cá”. “Se gritar pega Centrão, não fica um meu irmão”, cantou o general Augusto Heleno (GSI) durante a campanha. Mas, para evitar perder seu mandato, o presidente recorreu ao bloco fisiológico que teve origem ainda na Constituinte e é, desde então, cercado de escândalos. O grupo é conhecido por se aliar a diferentes governos ao sabor das conveniências políticas. O acordo não obedece princípios programáticos nem afinidades ideológicas. Representa uma relação cínica com o Congresso e uma forma de legitimidade amparada, quase sempre, em trocas espúrias.

Os líderes do Centrão aderiram a Bolsonaro, mas têm um histórico de infidelidade. Antes de apoiar Bolsonaro, Ciro Nogueira era aliado de Lula. Em 2018, apoiou a campanha de Geraldo Alckmin (PSDB). Vários partidos do grupo formavam a base de Dilma Rousseff e, no impeachment, se bandearam para o governo Michel Temer. Agora, com a mesma facilidade, aderiram ao atual governo. O bispo Edir Macedo, da Igreja Universal, que tem influência no Republicanos, apoiou os governos petistas ostensivamente até 2018, quando passou a apoiar Bolsonaro.

Com a aliança, Bolsonaro elimina a ligação orgânica com qualquer partido político — ao todo, já foi filiado a nove legendas. Saiu litigiosamente do PSL, pelo qual se elegeu, e até agora falhou em criar seu próprio legenda, a Aliança pelo Brasil. Optou então por um casamento de conveniências. O Centrão passou a compor a base em maio. O PP foi um dos primeiros partidos a aderir e o primeiro a ganhar cargos. Seu presidente, Ciro Nogueira, é réu na Lava Jato. Emplacou Fernando Leão na diretoria-geral do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (Dnocs), órgão que tem orçamento de R$ 1 bilhão. Marcelo Lopes da Ponte, chefe de gabinete de Nogueira, levou a presidência do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que administra R$ 54 bilhões. “O governo saiu às compras da pior forma possível”, diz o senador Major Olímpio, do PSL. Os cargos são entregues por um pragmatismo de resultados, pelos bilhões que os órgãos públicos como Dnocs e FNDE têm para serem distribuídos. “É a pior forma, que já levou muita gente à cadeia. Para aparecerem escândalos é uma questão de tempo. A história já mostrou isso.”

Clã Bolsonaro

A nova relação pode não trazer estabilidade ao governo, mas tem potencial para resolver o problema de filiação partidária da família Bolsonaro. Após o racha do clã com o PSL, Flávio e Carlos Bolsonaro se filiaram este ano ao Republicanos, ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. Quando Marcelo Crivella, do Republicanos, lançou sua candidatura à reeleição na segunda-feira, 7, estava ao lado de Rogéria Bolsonaro, ex-mulher do presidente e mãe de seus três filhos políticos (Flávio, Carlos e Eduardo). Ela será candidata a vereadora no Rio pela legenda.

O cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getulio Vargas (EESP/FGV), vê a aproximação naturalmente e acha que a coalizão é inevitável no sistema presidencialista multipartidário. Para ele, Fernando Henrique conseguiu estabilidade ao se aliar ao então PFL, assim como Michel Temer mostrou “maestria” com os mesmos partidos que agora se aproximam de Bolsonaro. Lula e Dilma também fizeram coalizões, mas o desejo de hegemonia do PT minou essa parceria. “Ainda não está claro se a coalizão de Bolsonaro é sustentável. Os termos não estão explícitos”, diz Pereira. Ele acha que o Centrão não vai se satisfazer apenas com cargos de segundo e terceiro escalões. A aliança, se não for apenas episódica, pode forçar Bolsonaro a realizar uma reforma ministerial. Para o especialista, Bolsonaro ficou refém da própria retórica ao tachar o grupo como corrupto na campanha eleitoral, mas é suficientemente pragmático e está focado na sua sobrevivência e na reeleição.