E LÁ VAI ELA Janja expande-se no PT: os comandantes do partido não gostam que Lula a obedeça (Crédito:Ricardo Chicarelli)

Não há líder populista que não precise de uma mulher ao seu lado, e essa é uma regra de ouro para quem segue tal linha de atuação em função pública. Luiz Inácio Lula da Silva traz o método político da demagogia populista enraizado na alma. Também por esse motivo, Lula, viúvo de dona Marisa Letícia (e, quando se uniu a ela, já era viúvo de dona Maria de Lurdes, falecida no parto), vai novamente casar-se. Não declarou o dia, mas garantiu que o matrimônio é no final do mês que vem. Quando anunciou, digamos que oficialmente a decisão, sua fala foi meio desconjuntada, porque é claro que fica difícil dizer: vou casar porque politicamente isso me é útil em palanque; vou casar porque rende mais votos; vou casar porque, se eleito, a presença da esposa lança certa informalidade em situações difíceis durante o governo. Fica difícil mesmo declarar a verdade, então ele valeu-se da tal fala que, aqui, denominou-se desconjuntada:

“Eu vou casar em uma demonstração de minha crença no futuro do Brasil. Eu sou um cara que brinco todo dia: o homem que vai viver cento e vinte anos já nasceu, dizem os cientistas. Eu fico sempre na expectativa de que, quem sabe, seja eu”. Até aí, tudo foi nada. Mas, na sequência, o populismo aflorou: “eu confio tanto no Brasil que, aos 76 anos de idade, vou casar (…) porque amo esse País”. O que tem a ver o amor de alguém pelo país com a atitude de casar-se? Claro que não tem nada a ver no campo da lógica, claro que tem tudo a ver no terreno da política populista. Misture-se a palavra amor com a palavra esposa, misturem-se as palavras amor e esposa com a palavra pátria, e têm-se autoritários governantes. Ficou claro o uso político que Lula fez do casamento no próprio momento que o anunciou para o tradicional mês dos noivos. Não é intencional ser em maio? Só rindo!

Da fórmula de utilização política de momentos totalmente alheios à própria política Lula lançou mão, por exemplo, quando em plena morte de dona Marisa Letícia, em 2017, usou a ocasião para responsabilizar a Operação Lava Jato pelo falecimento da esposa. Disse ele que as atitudes de juiz e procuradores tinham-na matado, uma vez que a acusavam, e também a ele, de corrupção. A rigor, transformou a morte da mulher em munição de defesa de si mesmo. No falecimento de sua primeira mulher, Maria de Lourdes, que morreu juntamente com o bebê no instante do parto, em 1971, Lula tornou pública a sua desconfiança em relação ao atendimento hospitalar no Brasil. Fez política. E faz política, igualmente, quando fica a repetir que sua noiva, a socióloga Rosângela da Silva, conta com 56 anos de idade — mais nova que ele, portanto, em duas décadas. Exibicionismo machista? Com certeza há uma boa dose disso. Vaidade boba? Também. A mensagem subliminar, no entanto, tomando como base os ensinamentos do americano James Vicary, que foi especialista em marketing, é a seguinte: estou com vigor político. Populistas não dão ponto sem nó – ou, melhor, não tocam o casamento sem enviesá-lo politicamente.

LONGA DEMAGOGIA Juan Domingo Perón e sua segunda esposa, Eva: o carisma vinha dela (Crédito: Intercontinentale / AFP)

Conforme o tempo começa a passar, observa-se que a mulher que está ao lado está também… É mais ou menos assim: por trás de todo populista feliz há uma mulher mais feliz ainda, e opinando vinte e quatro horas por dia. Idealtipo weberiano desse fenômeno foi o ex-ditador da Argentina Juan Domingo Perón e sua segunda esposa, Eva Perón. É o justo troco que elas dão, e aí podem surgir problemas. Rosângela fez com que Lula colocasse em sua agenda política o feminismo, a alimentação saudável e a proteção aos animais — isso é muito bom, mesmo se o intuito foi o de angariar votos. Só que ocorre, também, que Rosângela está opinando em tudo dentro do PT, um direito que ela tem porque Lula lhe dá o seu aval.

É natural que esse comportamento venha incomodando a cúpula da legenda, e a coisa chegou ao auge quando o ex-presidente declarou-se a favor do aborto, posicionamento que espanta eleitoras e eleitores conservadores. Corre a história de que ele o fez a mando de Rosângela, e teve de remendar a coisa no dia seguinte, dizendo que se referia a uma situação real no País, mas que não é essa a sua posição pessoal. Ficou pior a emenda que o soneto. Apelidada de Janja, ambos se conhecem desde os anos 1990, e ela já se apresenta como Janja Lula da Silva. Segundo a PF e o Tribunal de Justiça do Paraná estaria devendo R$ 220 mil, somando-se imposto de renda e condomínios. Janja possui cento e vinte e seis mil seguidores no Twitter, e não chega nem perto do futuro marido, que tem três milhões e trezentos mil. Mas, numa eleição, o mínimo pesa o máximo, principalmente depois que o lema interno da campanha, após a fala sobre o aborto, passou a ser: “daqui para frente nem um voto a menos”. Ela não deixará de opinar, até porque esposa de populista também tem planos de colocar de pé suas bandeias sociais – lembrem-se de novo de Eva Perón. Dá para ir-se mais longe: alguém duvida de que, em breve, Janja ingressará para valer na política e concorrerá nas urnas? Isso é futuro. De volta ao presente, líderes populistas carecem de casamento, em suma, porque passam a ser vistos como pessoas plenas de humanidade. Exatamente o que eles não são.