Em fevereiro de 2020, dois meses após a detecção do primeiro caso de Covid-19 em Wuhan, na China, o infectologista Anthony Fauci, maior especialista dos EUA, alertou que uma vacina demoraria pelo menos um ano para chegar ao público. Tedros Adhanom, diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), foi ainda mais pessimista: avaliou que seria necessário um ano e meio. Nove meses depois, porém, Margaret Keenan, de 91 anos, já recebia no braço uma injeção da vacina Pfizer/BioNTech. Como foi possível desenvolvê-la com tanta rapidez?

ONLINE Joe Miller: cobertura do projeto da BioNTech em tempo real (Crédito:Divulgação)

Os bastidores dessa magnífica empreitada humana estão no livro A Vacina – A História do Casal de Cientistas Pioneiros no Combate ao Coronavírus, do jornalista britânico Joe Miller. Em uma saga repleta de dados científicos e negociações financeiras, o autor narra a história do casal Özlem Türeci e Uğur Şahin, fundadores da BioNTech, empresa alemã criada em 2009 e responsável pela tecnologia usada na vacina da Pfizer. Uğur e Özlem se conheceram em 1991. Do ponto de vista convencional, o cenário estava longe de ser romântico: ela era enfermeira de uma UTI para pacientes com leucemia na pequena cidade alemã de Homburg; ele era seu supervisor. Além da ascendência comum, ambos filhos de pais turcos e muçulmanos, compartilhavam o amor pela ciência. Onze anos depois, em uma manhã da primavera de 2002, entraram em um cartório para oficializar o casamento. Meia hora depois, estavam de volta ao laboratório.

Como todo projeto científico, o sucesso veio de uma combinação de fatores. O mais curioso é que a BioNTech não era especializada na criação de vacinas. Dos seus mil funcionários, apenas dez estavam em projetos ligados ao combate de vírus. Todos os demais estavam envolvidos na grande missão da companhia: encontrar a cura para o câncer. Havia, no entanto, algo que as outras empresas não tinham: a capacidade de Uğur para elaborar cenários matemáticos. Enquanto a maioria dos cientistas ocidentais aguardava mais informações sobre os primeiros casos em Wuhan, Uğur logo percebera o potencial destrutivo do coronavírus. Começou então a elaborar projeções alarmantes dos seus efeitos sobre a população mundial. Além de cientista brilhante, é um matemático excepcional, combinação que foi essencial para convencer a mulher, Özlem, de que eles deveriam concentrar todos os esforços da empresa nessa direção. “A taxa de acerto de Uğur é muito alta quando se trata de prever situação delicadas. Então eu o levei a sério”, afirmou Özlem.

É claro que nada disso teria dado certo sem a incrível tecnologia desenvolvida pelo casal, conhecida como m-RNA ou RNA mensageiro: enquanto as vacinas comuns inserem o vírus atenuado ou inativo no organismo do ser humano, a inovadora técnica ensina as células a sintetizarem uma proteína que, então, estimula a resposta imunológica do indivíduo. Para acelerar o processo, a BioNTech promoveu testes paralelos com oito vacinas. Fã de super-herois, Uğur batizou o projeto com um nome que parecia tirado de um filme de ação: Lightspeed (velocidade de luz, em inglês). O livro trata ainda da negociação entre a empresa e a Pfizer, que contou com alto grau de confiança entre ambas as partes. A parceria teve início antes mesmo de os contratos serem assinados, o que, levando-se em conta o competitivo ambiente da biotecnologia, foi uma atitude chocante – apenas uma entre as diversas variáveis que levaram o casal a salvar o mundo.

Até que o laboratório os separe

Marie-Anne e Antoine Lavoisier
“Na natureza, nada se cria e nada perde: tudo se transforma”, afirmou o “pai da química moderna”, um gênio precoce que, aos 22 anos, já criara um sistema de iluminação para as ruas de Paris. Aos 26 anos casou-se com Marie-Anne, com quem dividiu o laboratório. Aluna do químico Jean-Baptiste Bucquet, ela ficou responsável pelas traduções dos experimentos.

Marie e Pierre Curie
O casal levou o prêmio Nobel de Física em 1903 por conseguir isolar material radioativo em laboratório. Descobriram os elementos rádio e polônio, batizado em homenagem ao país de origem da cientista. Marie foi a primeira mulher a ser aceita como professora na renomada Universidade de Sorbonne.