Eduardo Bolsonaro afirma ter fritado hambúrguer no Estado americano do Maine no período em que fez intercâmbio nos EUA. A informação foi dada pelo próprio deputado, ao listar as competências que, segundo ele, o credenciariam a se tornar embaixador da mais importante representação diplomática do Brasil no exterior. Se for nomeado, e tiver de se mudar para o número 3000 da avenida Massachusetts, em Washington, no entanto, o filho “03” do presidente não vai precisar colocar em prática a habilidade aprendida no intercâmbio.

O embaixador tem a seu dispor uma equipe de funcionários, coordenados pelo solícito mordomo Davi, que inclui cozinheiros, copeiro e motorista. O hambúrguer, apesar de ser preferência nacional, passa bem longe do cardápio servido nas recepções na embaixada. No lugar do sanduíche, as louças com brasão nacional e a prataria, dispostas na mesa de almoço, costumam servir iguarias mais refinadas, como cordeiro ao molho de menta, purê de nabo ou mousse com ovas de salmão.

Não é só com o novo cardápio que o possível embaixador precisará se acostumar, mas também com as visitas. A residência prevê espaço para abrigar comitivas que visitam a cidade – seja a viagem do presidente, de ministros, de governadores ou de parlamentares. Com o vai e vem de autoridades, o embaixador divide com frequência o terceiro andar da casa, onde fica seu quarto, com os titulares da comitiva – como ministros.

Nem tudo, no entanto, são flores. O elevador antigo às vezes dá sustos. Em 2018, o então ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, ficou preso por mais de uma hora no elevador da residência enquanto convidados o esperavam. Um ano depois, o ministro da Economia, Paulo Guedes, estendeu a conversa com convidados noite adentro, apesar dos sinais claros do embaixador, Sérgio Amaral, de que a festa na sua sala havia passado da hora para acabar. Dias antes, Guedes já havia gerado uma saia-justa ao sugerir que poderia vender a casa na qual se hospedava para fazer caixa, diante dos problemas fiscais do País.

A residência de esquina onde os embaixadores do Brasil nos EUA moram é uma obra do arquiteto John Russell Pope, o mesmo responsável pela Galeria Nacional de Arte e pelo Thomas Jefferson Memorial, ambos paisagem de fotos turísticas da capital americana. Finalizada em 1931, a casa foi comprada pelo governo brasileiro três anos depois por US$ 200 mil, na época. Com nome de Villa McCormick, denominação da Comissão de Belas Artes de Washington, a casa já hospedou a princesa Diana – que era amiga da então embaixatriz, Lúcia Flecha de Lima.

Em 1971, um prédio modernista de vidro foi construído pelo arquiteto Olavo Redig de Campos exatamente ao lado da embaixada, para servir como chancelaria e deixar o antigo prédio só para função residencial.

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Washington é maior posto diplomático do Brasil no Exterior

Se não quiser caminhar na rua para ir ao trabalho, o embaixador precisa pisar a grama que separa os dois prédios e que, na primavera, abriga uma árvore cerejeira florida estampada nas redes sociais de quem visita a embaixada. Para não sujar os sapatos de terra, ele precisará caminhar alguns passos pela avenida Massachusetts – onde ficam lotadas as sedes diplomáticas de outros países.

O interior da residência do embaixador tem mobiliário clássico de madeira escura dividindo espaço com grandes lustres, vasos e joias da arte brasileira, entre as quais estão quadros dos artistas Cândido Portinari, Di Cavalcanti e Manabu Mabe.

Washington é o maior posto diplomático do Brasil em tamanho e também é considerado, ao lado de Buenos Aires, o de maior relevância, pela quantidade de assuntos que passam pelas mãos do embaixador. Cerca de cem funcionários, entre diplomatas, outros integrantes do Itamaraty e contratados, ficam sob supervisão do embaixador do Brasil nos EUA.

Mas o filho “03” de Jair Bolsonaro não fez muitos gestos de deferência ao corpo diplomático que pretende chefiar. Em novembro, quando esteve na capital americana para contatos com o governo dos Estados Unidos, o deputado desprezou a oferta de ajuda dos diplomatas durante a visita. Toda a agenda do encontro foi organizada por Filipe Martins, hoje assessor especial para assuntos internacionais da Presidência da República. Eduardo não parou na embaixada nem para cumprimentos formais.

A rotina de trabalho depende do perfil do embaixador. A aposta é de que, se Eduardo Bolsonaro for confirmado para o cargo, o caráter político das atividades vai prevalecer. Fazem parte do dia a dia a relação com o Congresso americano e com o empresariado (brasileiro e americano), a ponte com políticos brasileiros, as negociações com braços do governo e a participação em eventos, além da realização de almoços, jantares e cerimônias.

A embaixada em Washington vai além da relação estrita com a Casa Branca. Na gestão passada, por exemplo, o embaixador Sérgio Amaral esteve pessoalmente envolvido nas negociações do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que permitiu o uso da base de Alcântara, no Maranhão, e em negociações com o governo para deixar o Brasil de fora das sobretaxas à importação de aço.

O embaixador, no entanto, não escapa da burocracia. Cabe a ele revisar e assinar todos os “telegramas”, que é a forma como são chamadas as comunicações que saem da embaixada para os demais postos ou para Brasília.

Aprovação da indicação depende de votação secreta do Senado

A indicação de Eduardo para a embaixada, no entanto, ainda está no campo “informal”. O presidente sugeriu que poderia nomear o filho para o cargo – e ele disse que aceitaria -, mas não deu início formal ao processo. Para isso, a indicação deve ser publicada no Diário Oficial da União e, então, encaminhada ao Senado. O nome é analisado pela Comissão de Relações Exteriores da Casa, que elege um relator, responsável por apresentar o currículo do indicado.

O candidato, em seguida, é sabatinado na comissão, que decide, em votação secreta, se confirma ou rejeita o nome.


Independentemente do resultado, a indicação vai a plenário, em votação também secreta. Para ser aprovado, o candidato precisa do aval da maioria dos 81 senadores. Só após a aprovação pelo plenário da Casa é que o presidente da República pode nomear o novo embaixador.

Indicação não é bem vista

A disposição do presidente Jair Bolsonaro de indicar o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ao cargo de embaixador brasileiro nos Estados Unidos gerou controvérsia entre seus apoiadores nas redes sociais. Dentre as publicações sobre o tema com maior engajamento nos últimos dois dias no Twitter, a maioria é contra. Somente as da deputada Carla Zambelli (PSL-SP) e do presidente apoiavam a indicação.

Ontem, a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) questionou a indicação em uma sequência de publicações no Twitter. “Quem fez Eduardo Bolsonaro deputado federal foi o povo. Isso precisa ser respeitado. Crescer, muitas vezes, implica dizer não ao pai.”

Em linha semelhante, o escritor Olavo de Carvalho disse que a tarefa de embaixador seria incompatível com a “missão” de Eduardo dada pelo seu pai: a criação de uma CPI no Congresso sobre o Foro de São Paulo. Segundo Olavo, a CPI corre riscos se não for assumida por Eduardo. “Isso aí seria um retrocesso, a destruição da carreira do Eduardo”, afirmou o guru bolsonarista em seu canal no YouTube. Em novembro, durante a transição de governo, Olavo chegou a afirmar que, “se fosse convidado para ser embaixador nos EUA, não recusaria o cargo” e que este seria o único posto que aceitaria no governo do presidente Jair Bolsonaro.

O convite não veio para Olavo. Amigo do escritor, o diplomata Nestor Forster ficou mais perto de assumir a posição depois de ter sido promovido pelo Itamaraty. Com a promoção, patrocinada pelo chanceler Ernesto Araújo, Forster, que já trabalha em Washington, pode assumir a embaixada.

A possível indicação de Eduardo, por outro lado, agradou à deputada do PSL Carla Zambelli. Na noite de quinta-feira passada, ela publicou em seu Twitter: “Se aceito pelo Eduardo, ganha o Brasil, ganha os EUA de @realDonaldTrump, ganha o planeta, com mais oportunidade de sanar os problemas de toda a Terra”.

Proximidade com a família Trump é apontada como vantagem

A proximidade do filho “03” de Bolsonaro com a família do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é o principal argumento em defesa da indicação a embaixador em Washington. Seu pai voltou a se manifestar a favor do filho na tarde de ontem. “De 2003 para cá você sabe quem foram nossos embaixadores em Washington?” O mesmo tuíte contém um vídeo que mostra um elogio de Trump a Eduardo durante uma coletiva de imprensa ao ser questionado sobre a possibilidade de uma intervenção militar na Venezuela.

O segundo tuíte da base aliada de Bolsonaro que mais teve engajamento sobre Eduardo nos últimos dois dias foi o do youtuber e deputado estadual por São Paulo Arthur do Val (DEM), que se manifestou contra a indicação na tarde de sexta-feira. “Não é de bom tom indicar um filho para um cargo tão alto. Pega mal. O Brasil não precisa disso e tem ótimos diplomatas”, afirmou.

Caso não configura nepotismo, entende STF


Ao longo dos últimos 11 anos, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm entendido que a nomeação de parentes para cargos de natureza política não se enquadra como nepotismo. A questão voltou para o centro do debate em Brasília, após o presidente Jair Bolsonaro anunciar que pretende indicar o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), seu filho, para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Para um integrante da cúpula da Procuradoria-Geral da República (PGR) ouvido reservadamente pela reportagem, por mais que pareça “cruel”, não há empecilho para Bolsonaro indicar Eduardo para a embaixada em Washington.

Uma súmula vinculante, aprovada em 2008 pelo plenário do STF, estabelece que viola a Constituição a nomeação de parente, cônjuge ou companheiro para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública. Um caso pendente de análise pelo plenário, sob a relatoria do ministro Luiz Fux, discute se a nomeação de familiares para cargos de natureza política também se enquadra nessa restrição.

Não há previsão de quando o STF vai analisar o tema, mas levantamento feito pelo Estadão/Broadcast aponta que ministros da Corte já tomaram – individual ou colegiadamente – ao menos oito decisões no sentido de que o veto não alcança as nomeações políticas. Nenhuma delas, no entanto, tratava de representação diplomática no exterior, como no caso de Eduardo Bolsonaro.

Para um integrante do STF, a possibilidade de um posto de embaixador ser enquadrado como cargo político é uma questão controversa, que ainda está em aberto.

Casos

Em outubro de 2008, por 7 a 1, o plenário confirmou uma liminar do ministro Cezar Peluzo que garantia o cargo de Eduardo Requião como secretário de Transportes do Paraná, Estado governado na época por seu irmão, Roberto Requião. A avaliação predominante da Corte foi a de que a súmula vinculante não alcança cargos de natureza política.

Dos sete votos favoráveis ao irmão de Requião, três vieram de ministros que ainda integram o tribunal – Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Celso de Mello. Os outros quatro ministros que se posicionaram nesse sentido já se aposentaram.

O único voto divergente na época foi o do ministro Marco Aurélio Mello. Na última quinta-feira, Marco Aurélio disse ao Estadão/Broadcast que a indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada do Brasil nos EUA configura nepotismo e é “um tiro no pé”. “Sob a minha ótica, não pode, é péssimo. Não sei o que os demais (ministros do Supremo) pensam. Não acredito que o presidente Bolsonaro faça isso. Será um ato falho, um tiro no pé”, afirmou à reportagem.

Outros processos envolvendo a nomeação de familiares de políticos foram apreciados pelo tribunal ao longo dos últimos anos. Em maio de 2009, por exemplo, o ministro Celso de Mello garantiu a permanência de Ivo Ferreira Gomes, irmão do então governador do Ceará, Cid Gomes, no cargo de chefe de gabinete. A nomeação havia sido contestada pelo Ministério Público do Estado do Ceará na época, que acionou a Justiça para anulá-la.

Em outubro de 2012, foi a vez de o ministro Ricardo Lewandowski dar uma liminar garantindo o retorno de Talitha de Nadai ao cargo de secretária de Promoção Social do município de Americana (SP). Ela era irmã do então prefeito da cidade, Diego De Nadai.

O ministro Luís Roberto Barroso, por sua vez, negou em 2014 o pedido para retirar o irmão da vice-prefeita de Pinheiral (RJ) do cargo de secretário municipal de Administração. “Estou convencido de que, em linha de princípio, a restrição sumular não se aplica à nomeação para cargos políticos. Ressalvaria apenas as situações de inequívoca falta de razoabilidade, por ausência manifesta de qualificação técnica ou de inidoneidade moral”, escreveu Barroso em sua decisão monocrática (individual). Em 2018, Barroso deu outras duas decisões similares.

Já o atual presidente do STF, ministro Dias Toffoli, disse, em julgamento ocorrido em 2014, que decisão judicial que “anula ato de nomeação para cargo político apenas com fundamento na relação de parentesco estabelecida entre o nomeado e o chefe do Poder Executivo, em todas as esferas da federação, diverge do entendimento da Suprema Corte consubstanciado na Súmula Vinculante nº 13”.

Em setembro do ano passado, a Segunda Turma do STF cassou uma decisão que condenou a prefeita de Pilar do Sul (SP) por improbidade administrativa, ao ter nomeado o marido para secretaria municipal. A avaliação, novamente, foi a de que o entendimento da súmula vinculante não se aplicava a cargos políticos. “Os cargos políticos, a exemplo da chefia de secretarias estaduais ou municipais, têm por paradigma federal os cargos de ministro de Estado, cuja natureza é eminentemente política. Eles compõem a estrutura do Poder Executivo e, portanto, são de livre escolha pelo chefe desse poder”, defendeu o ministro Gilmar Mendes, na ocasião.

Divergência

Em sentido contrário, o ministro Marco Aurélio Mello suspendeu, há dois anos, a nomeação de Marcelo Hodge Crivella para o cargo de secretário da Casa Civil da gestão do pai, Marcelo Crivella, na prefeitura do Rio, por entender que se tratava de nepotismo. Uma curiosidade: Marco Aurélio chegou ao Supremo por indicação do então presidente Fernando Collor de Mello, seu primo.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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