As vésperas da manifestação para a qual Jair Bolsonaro convoca a população contra a Câmara dos Deputados, o Senado e o Supremo Tribunal Federal, num claro movimento antidemocrático, o chefe do Executivo disparou na semana passada novas agressões em direção à Justiça — dessa vez o alvo foi o Tribunal Superior Eleitoral. Mais: chantageou o Congresso na questão do Orçamento impositivo. Resumo da ópera: o capitão segue em sua planejada tática de atirar a esmo contra poderes e instituições republicanas, como se fosse ele o dono do País. Falando para um reduzido grupo de endinheirados brasileiros que vivem em Miami, a maioria sem fazer nada, Bolsonaro, que também não faz nada, declarou-se vítima de fraude nas eleições de 2018, nas quais elegeu-se para o Planalto: a sua vitória, segundo ele, teria se dado já no primeiro turno.

Até aí são palavras irresponsáveis que caracterizam o presidente desde o seu tempo de inexpressivo deputado federal. Agora, vamos à gravidade: Bolsonaro afirmou, com todas as letras, que possui provas de que a fraude ocorreu, garantindo que elas serão exibidas em breve. Isso é crime de alto potencial agressivo (crime de responsabilidade e crime comum), e, a partir do instante em que falou, ele tem a obrigação (não a opção), por força de lei, de tornar públicas tais provas. Não mostrá-las implica que, até mesmo como militar, o capitão Bolsonaro faz parte daquela turma que o ex-ministro general Golbery do Couto e Silva, que honrou as Forças Armadas e arquitetou a redemocratização, chamava de “a turma de fritar bolinho”. Traduzindo: militar que, entre outros pontos, não tinha compromisso com o que falava.

Tendo o Brasil Augusto Aras como procurador-geral da República e procurador-geral eleitoral, e Sergio Moro, um ex-juiz, como ministro da Justiça, é impossível que não seja acionada a Polícia Federal para apurar a denúncia de Bolsonaro. Aras e Moro têm de agir por dever de ofício — portanto, mexam-se, e não se escondam por oportunismo atrás do Palácio do Planalto. Em 2018, em meio às eleições, o capitão já falara sobre fraude. A Corte mandou fazer uma auditoria. Óbvio que não houve fraude alguma, o TSE é um órgão sério e o Brasil é referência mundial em lisura e integridade em suas eleições por meio de urnas eletrônicas. “O TSE não compactua com fraude”, diz Rosa. “Eleições sem fraude foram uma conquista da democracia e o TSE garantirá que continue a ser assim”. Bolsonaro, não satisfeito com a invenção da fraude, ainda chantageou o Congresso: as manifestações contra o Legislativo poderiam ser arrefecidas se a Câmara e o Senado aceitassem dar ao Executivo os R$ 15 bilhões do Orçamento impositivo, montante destinado aos parlamentares por meio de acordo selado pelo próprio (pasmem!) Bolsonaro.

Pedro França/Agência Senado; Marcelo Camargo/Agência Brasil

O procurador-geral da República, Augusto Aras, e ministro da Justiça, Sergio Moro, têm obrigação, por força de Lei, de acionarem a PF — portanto, mexam-se e não se escondam, por oportunismo, atrás do Palácio do Planalto

Miragem no deserto

O presidente está visivelmente zonzo com a paralisia de seu governo e o minguado crescimento do 1,1% do PIB em 2019. Nas redes sociais, encolhia na semana passada a mobilização para o ato que ele convocou. Começa a bater-lhe o desespero ao pressentir que a reeleição em 2022 pode ser miragem d’água no deserto. Ainda assim, não se pode esquecer que mentir faz parte de sua tática neopopulista de governo. Lembremos o que anota o cientista político francês Giuliano Da Empoli, em seu clássico “Os engenheiros do caos”: “No mundo (…) de Bolsonaro, cada novo dia nasce com uma polêmica, com a eclosão de um escândalo e, mal se está comentando um evento, esse já é eclipsado por outro, em uma infinita espiral (…)”. O capitão ultrapassou as fronteiras do antirrepublicanismo há muito tempo, e, também há muito tempo, comete crimes de responsabilidade. Bolsonaro está desafiado a exibir as provas das quais falou. Caso contrário, que lhe entreguem avental, fogo, óleo e frigideira — e bolinhos para fritar.