Já fragilizado pelo caos sanitário, o governo Bolsonaro tem que lidar agora com uma crise energética gigantesca prestes a atingir o País nas próximas semanas. Diante da maior seca dos últimos 91 anos, que afeta os níveis dos reservatórios brasileiros e também é consequência de uma política de desmonte de órgãos fiscalizadores, o presidente planeja adotar medidas impopulares para evitar um novo “apagão”, incluindo a criação da bandeira vermelha 2, que pode reajustar os preços da energia elétrica em mais de 20%.

Nesta quinta-feira,15, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) anunciou um novo aumento das contas de luz para 2021, ano em que grande parte da população ainda sofre com impactos econômicos resultantes da pandemia. A justificativa para o reajuste foi de que a agência foi obrigada a acionar as usinas termelétricas para compensar a produção de energia das hidrelétricas, impactadas pelo baixo volume de chuvas. A expectativa é de que o encarecimento da luz faça com que as pessoas reduzam o consumo forçosamente.

ESTIAGEM A drástica seca reduziu o nível da Represa de Marimbondo (Crédito:Guilherme Baffi)

Além das contas mais caras para o cidadão, há ainda grandes chances de haver racionamento de energia a partir do segundo semestre. Essa possibilidade já tem sido discutida pelo próprio governo e até por aliados de Bolsonaro. Nesta semana, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), se reuniu com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, para tratar do assunto. “Não se falou em apagão. Falou-se em racionamento. Infelizmente, a gente não manda na chuva”, afirmou Lira.

Eletrobrás

Em sua fala, o presidente da Câmara também revelou que Albuquerque mudou de opinião depois de ter descartado, em maio, qualquer necessidade de racionamento. Segundo Lira, o governo agora trabalha com a possibilidade de adotar medidas semelhantes às de 2001. Naquele ano, o então presidente Fernando Henrique Cardoso adotou corte obrigatório do consumo e multa para quem não atingisse metas de economia. Os inquilinos do Palácio do Planalto, porém, estão preocupados porque temem que isso cause prejuízos eleitorais ao mandatário, que pretende disputar a reeleição. Muitos tucanos atribuem até hoje a derrota do PSDB para Lula em 2002 à grave crise energética que abateu o País naquela época.

Para muitos parlamentares, no entanto, o discurso do governo não cola. Eles dizem que o racionamento já é uma certeza. Outros vão além e afirmam que o apagão também não deve ser carta fora do baralho. O Amapá, por exemplo, sofreu nesta semana o quinto corte de energia elétrica em menos de um ano. “Com a intensa estiagem e o despreparo do governo Bolsonaro, podemos esperar, sim, o racionamento de energia elétrica e até o apagão do sistema de geração de energia”, disse o deputado federal Fausto Pinato (PP-SP), que representa o Centrão. “Não temos um plano, uma estratégia. Vai faltar energia, da mesma forma que falta vacina.”

O mandatário aposta suas fichas em mais uma Medida Provisória que ele pretendia enviar para o Congresso ainda nesta semana. Além de conferir plenos poderes a um grupo interministerial comandado por Albuquerque para interferir na gestão das hidrelétricas a seu bel prazer, essa MP também abre espaço para a discussão sobre o racionamento de energia. Ela, inclusive, recebeu de congressistas o apelido de MP do Racionamento.

Justamente por isso, assessores do Planalto aconselharam Bolsonaro a adiar o encaminhamento do texto. O cálculo é evitar eventuais impactos políticos ao governo caso o Congresso decida barrar outra MP: a que prevê a privatização da Eletrobrás, estatal responsável pela geração de cerca de um terço da energia produzida no Brasil. Segundo os conselheiros do governo, isso poderia ser interpretado pelo mercado como mais uma derrota do ministro da Economia, Paulo Guedes. Os governistas querem que a MP da Eletrobrás seja aprovada logo para cortejar parte do empresariado e do mercado financeiro, essenciais para quem planeja a reeleição. A chegada de uma nova MP, segundo parlamentares da base governista, poderia “contaminar” o entendimento de alguns congressistas sobre o assunto.

A MP da Eletrobrás entrou na pauta do Senado na quarta-feira, 16, sob clima de desconfiança, incertezas e com a proposta prestes a caducar. Mesmo que venha a ser aprovado no Senado, o projeto tem que voltar à Câmara e ser votado novamente até terça-feira, 22, quando a MP poderá ser arquivada. Parlamentares defendem mudanças no texto. Uma das principais alterações pleiteadas pelos senadores é que as indicações para cargos da diretoria do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) passem pela aprovação do Senado. Trata-se de um reflexo da insatisfação de diversos senadores diante da forma como o governo vem enfrentando a crise hídrica no Brasil. “A proposta do governo de privatização da Eletrobrás é danosa para todo o sistema. Vivemos um momento de ameaça de racionamento não pela falta de chuvas, mas pela falta de planejamento do governo”, disse o líder da minoria no Senado, Jean Paul Prates (PT-RN). O setor energético virou a bola da vez nas crises provocadas por Bolsonaro.