A última notícia é o veto à vodca russa nos bares da Lapa, no Rio. O drinque conhecido como Moscow Mule virou Kiew Mule, abandonou marcas que costumam entrar na sua composição, como Smirnoff ou Stolichnaya, e passou a adotar apenas a bebida de outras nacionalidades. Em vários locais têm acontecido o mesmo fenômeno, com os próprios clientes mudando seus drinques habituais por causa da guerra. Sejamos francos: o ideal é deixar qualquer vodca de lado, mas, dado o momento geopolítico, uma polonesa, sueca ou ucraniana, uma horilka, ainda se tolera. A guerra na Ucrânia tornou desaconselhável e politicamente incorreto consumir qualquer produto da Rússia, mesmo os da melhor qualidade, como matérias-primas de fertilizantes e bebidas alcóolicas. Do caviar nem se fala. Na Europa, o veto já é ponto passivo.

A vodca é o mais tradicional, popular e simbólico produto global russo. Criada no século XV nos monastérios locais, espalhou-se pelo país (era a maior fonte de receita tributária do governo czarista em 1900), ganhou o planeta com a marca Smirnoff e foi usada pelos americanos para diluir e digerir a cultura do inimigo comunista durante a Guerra Fria. Veja quantas vezes aparecem garrafas de vodca nas reuniões de Don Draper, na série Mad Men. Agora, nesse momento emblemático, ela serve para evidenciar que o Ocidente rejeita o autoritarismo emanado da Rússia. Beber vodca pode ter se tornado para alguns uma espécie de ato antidemocrático. A bebida representa bem o embargo econômico que o país agressor vem sofrendo, desde que iniciou uma guerra intolerável na Ucrânia.

Hoje, a Smirnoff pertence ao conglomerado britânico Diageo e, portanto, é uma marca sem fronteiras, como o uísque Johnnie Walker e o rum Bacardi. Mas nela está sintetizada a velocidade dos Estados Unidos e de seus parceiros militares e comerciais para banir de uma hora para outra qualquer desafeto do mapa global dos negócios. Dá a impressão que todas as multinacionais que atuavam na Rússia tinham um plano de contingência para deixar o país a qualquer momento. A guerra está mostrando que, na era digital, o Ocidente exclui do mercado de consumo qualquer país que se desvie do bloco capitalista num piscar de olhos. Desliga-se o cartão de crédito do sistema Visa ou Mastercard do dia para a noite. Sociedades comerciais são desfeitas de forma sumária. A Shell simplesmente vai sai do país. Nunca um boicote econômico funcionou tão bem e se implantou com tanta rapidez. E as vodcas em geral, especialmente as russas, vão penar para seduzir o consumidor daqui para frente.