A sensação térmica no verão carioca passa dos 40º C. Usar ônibus sem ar refrigerado, portanto, é comparável a um passeio ao inferno. Mas poderia não ser assim, se o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) não tivesse desviado tanto dinheiro das empresas de transporte público. O esquema de corrupção comandado por ele entre 2010 e 2016 abocanhou cerca de meio bilhão de reais, o suficiente para comprar 1.111 ônibus com ar condicionado. A notícia foi conhecida semana passada, quando o juiz da 7ª Vara Criminal Federal do Rio aceitou as novas denúncias do Ministério Público Federal (MPF) contra o ex-governador, agora réu em 14 processos na Lava Jato. Cabral, que já foi deputado mais votado no Estado e se reelegeu para o segundo mandato para governador no primeiro turno, agora ostenta um vergonhoso novo título: o de campeão brasileiro da corrupção.

O esquema de roubalheira detalhado pelo MPF envolve 23 pessoas ligadas a Cabral e aponta a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) como corruptora. E, até na atividade marginal, o ex-governador é primeiro lugar: foi quem mais recebeu propina dessa federação, cerca de R$ 145 milhões. Também na semana passada, o empresário Fernando Cavendish, ex-presidente da Construtora Delta, disse, em depoimento na Justiça, que Cabral exigiu 5% do consórcio contratado para a obra de reforma do Maracanã. “Propina mensal, às vezes até quinzenal. Que fique claro, também, que o senhor Sérgio Cabral ainda continuou a receber propina depois do fim do seu mandato”, afirmou o procurador regional da República José Augusto Vagos. As planilhas descobertas pelos investigadores comprovam, segundo ele, as afirmações já divulgadas.

IMPLACÁVEL O juiz Marcelo Bretas tem sido o principal algoz do ex-governador

Os outros processos aos quais o ex-governador já é réu oscilam entre as acusações de corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa, evasão de divisas, fraude, formação de cartel e crimes contra o sistema financeiro. As denúncias contra o ex-governador são muito antigas, mas foi a partir de 2015 que o mundo começou a ruir para ele, quando se tomou conhecimento da delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, segundo o qual Cabral recebeu, via caixa 2, R$ 30 milhões para as eleições de 2010. Dessa, ele se safou: em setembro do mesmo ano, a Polícia Federal pediu arquivamento deste processo. Porém, outras acusações acabaram por levá-lo, enfim, à prisão em novembro desse mesmo ano. Escândalos, como a chamada “taxa de oxigênio” de 1%, cobrada para a Secretaria de Obras, foram se avolumando.

Hoje, já não se fala mais em valores totais da corrupção que ele comandou. Os procuradores da República acham que não é possível, ainda, conhecer toda a rede criada para roubar os fluminenses sob o comando de Cabral.“Difícil imaginar. Basta ver quantas secretarias tem no organograma da administração pública”, disse o procurador Leonardo Freitas, insinuando que a malha da roubalheira pode ser muito mais extensa do que se supõe.

Para dar sua versão sobre a bandalheira que promoveu no Rio, Cabral já esteve várias vezes frente a frente com o juiz Marcelo Bretas, responsável por 13 dos seus processos. No início, Cabral ficava calado e não respondia as perguntas do magistrado. Nos três últimos encontros com Bretas, Cabral desandou a falar e precisou ser advertido pelo juiz. Segundo ele, o ex-governador estava transformando o banco dos reus em palanque. O juiz pediu que Cabral evitasse classificar as acusações do MPF como “maluquices”.

Crimes em série

Além dessas duas novas acusações do MPF, Cabral já é reu em outros 12 processos. Ele é acusado de desviar mais de R$ 200 milhões em contratos com empreiteiras. O MPF disse, também, que o ex-governador cobrava propinas de construtoras nas obras do pólo petroquímico de Comperj. O terceiro processo contra ele envolveu o empresário Eike Batista, que teria pago a ele R$ 16,5 milhões numa obscura transação em uma mina de ouro. Na sequência, ele é acusado de “lavar” R$ 39 milhões, crime que envolveu também sua mulher Adriana Ancelmo. O quinto processo se refere a R$ 10 milhões “lavados” com a compra de imóveis, carros e joias. Tornou-se réu ainda como chefe de um esquema que escondia R$ 318 milhões no exterior. Outra ação contra ele é por fraudar licitações e formar cartel para roubar em obras do PAC das Favelas e das reformas do Maracanã. Ele também é acusado de fraudar os contratos firmados na área de Saúde, de ter recebido R$ 47 milhões da Carioca Engenharia, lavado dinheiro por meio de empresas de fachada e comprado joias sem notas fiscais, no valor total de R$ 11 milhões. Em seu desmedido apetite financeiro, até sobre a compra de merenda escolar e alimentação para detentos Cabral avançou. No total, teria embolsado quase R$ 1 bilhão. O montante não é para amadores.

Propinas sobre rodas

A turma de Cabral recebeu quantias milionárias das empresas de transportes de ônibus no Rio entre 2010 e 2016:

  • Os R$ 500 milhões pagos pela Fetranspor para Sergio Cabral e sua turma daria para comprar 1.111 ônibus com ar refrigerado para o Rio
  • 26 empresas bancavam a corrupção
  • R$ 145 milhões foi o maior valor pago somente ao ex-governador, em 203 repasses
  • R$ 13 milhões foram dados como bônus por ele ter concedido redução de ICMS e desconto de 50% no IPVA para empresas do setor
  • As propinas aumentavam em anos eleitorais: em 2010, ele recebeu R$ 14,5 milhões; em 2011, R$ 17,8 milhões; em 2012, ano de eleições municipais, R$ 37,5 milhões
  • Cabral responde a 14 processos e já foi condenado em um deles a 14 anos e 2 meses de prisão. Está preso há 9 meses