01/09/2019 - 14:00
Um processo que bloqueou R$ 778 milhões de Thor Batista, filho de Eike Batista, tenta traçar o caminho dos recursos que o ex-megaempresário enviou para o exterior. A ação, movida pelo advogado Bernardo Bicalho, administrador judicial da mineradora MMX, tem o objetivo de garantir o ressarcimento total aos credores da companhia em recuperação judicial, mas cumpre também outra função: a de revelar offshores em paraísos fiscais que cumpririam o papel de ocultar recursos em um momento em que o império de Eike ruía.
Os argumentos para pedir o bloqueio dos bens de Thor – determinado liminarmente pela juíza Cláudia Helena Batista, da 1.ª Vara da Fazenda Empresarial de Belo Horizonte e confirmado por três desembargadores do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) – trazem evidências da tentativa de ocultar patrimônio com um emaranhado de offshores em paraísos fiscais, que não questionam a origem de recursos.
Embora o bloqueio tenha sido confirmado, o mérito da ação não recebeu sentença de primeira instância. Apesar de os advogados acreditarem que a família de Eike tenha, nas contas offshore, os recursos necessários para cobrir o bloqueio, eles dizem que o processo de busca por esse dinheiro ainda está em curso. Uma fonte próxima a Eike Batista disse, no entanto, que o empresário “nem de longe” tem recursos suficientes para cobrir essa dívida.
Além de Thor Batista, que até 2013 era dependente de Eike, a decisão inclui seis pessoas jurídicas, sendo quatro delas com sede em paraísos fiscais: a Meisterschaft Holding (em Belize), a Aux Luxembourg Sarl e a Aux LLC (ambas em Luxemburgo) e a 63X Master Fund (Ilhas Cayman). As outras companhias listadas são a holding EBX, controladora da MMX localizada no Rio de Janeiro, e a OTX Fund LLC, dos EUA.
No auge do Grupo “X” – que controlava negócios como a OGX, de petróleo, a OSX, de construção naval, e a LLX, de logística -, o empresário brasileiro chegou a ser o 7.º homem mais rico do mundo em 2012, com fortuna de US$ 34,5 bilhões.
Fraude
O administrador judicial da MMX diz que o bloqueio de ativos visa a garantir que ex-donos de empresas em recuperação judicial não possam cometer fraudes para ocultar patrimônio – realidade na qual ele acredita que Eike Batista se encaixe. Bicalho argumenta que os credores da MMX devem ser ressarcidos integralmente – o valor de R$ 778 milhões do bloqueio se refere à atual dívida da mineradora, sem os descontos negociados no plano de recuperação já aprovado.
A fraude na MMX, segundo o processo, se configura de diferentes formas. Começa pela divulgação de falsas perspectivas de produção: em 2006, ao abrir capital, a mineradora anunciou a intenção de multiplicar sua produção de minério de ferro, superando 36 milhões de toneladas. Mais tarde, a meta foi reiterada e estabelecida para o ano de 2016.
O “pico” de produção da mineradora, no entanto, foi de pouco menos de 7,7 milhões de toneladas de minério de ferro, em 2010. Depois disso, os números só caíram até zerarem, cinco anos depois. Hoje, a MMX está em recuperação judicial, mas não opera e nem emprega ninguém. O administrador judicial diz que a antiga “Vale de Eike” hoje se resume a uma sala de dez metros quadrados em Belo Horizonte.
Bicalho lembra que Eike Batista sabia que esse potencial jamais poderia ser atingido. “Não obstante já houvesse, em 2009, um parecer de consultoria especializada concluindo pela incerteza com relação ao potencial minerário, tal informação jamais foi transmitida ao mercado”, argumenta a ação.
Segundo o processo, o lucro do empresário com a venda de ações da mineradora, na época das falsas alegações de capacidade, foi de R$ 634,4 milhões. Dentro das investigações da Operação Segredo de Midas, desdobramento da Lava Jato, Eike chegou a ser preso de agosto. Ele é investigado por suposta manipulação do mercado de ações.
Caminhos
Mas por que o envio do dinheiro ao exterior não foi detectado antes? Segundo o advogado Rodrigo Kaysserlian, presidente do Instituto Brasileiro de Rastreamento de Ativos e auxiliar de Bicalho no processo da MMX, a venda de ações era feita por meio da estrutura propositalmente complexa que Eike montou para seus negócios.
No caso da MMX, a empresa operacional (dona das minas) era denominada MMX Sudeste e controlada pela holding MMX (que emitia as ações em Bolsa). Essa holding, por sua vez, tinha como controladores Eike Batista (como pessoa física) e duas pessoas jurídicas: a Mercato e a offshore Centennial.
A Centennial, segundo os advogados, seria o primeiro elo da cadeia de envio de dinheiro ao exterior na estratégia de aproveitar a bonança passageira para estocar recursos para a tempestade inevitável que viria quando a empresa não cumprisse as metas ambiciosas.
Segundo o processo, a Centennial, que originalmente obteve os recursos financeiros com a venda das ações da MMX, passou a abastecer o fundo 63X, nas Ilhas Cayman. Esse fundo posteriormente repassou dinheiro para outra offshore, localizada em Belize, a Meisterschaft.
A Meisterschaft – palavra que, em alemão, quer dizer “campeonato” – surgiu bem depois da Centennial, que fez parte da criação da holding MMX, em 2005. Segundo as investigações do processo, a empresa foi aberta por Thor Batista depois de uma doação de R$ 130 milhões em espécie recebida do pai em 2013.
Thor, logo após receber o dinheiro, foi aos EUA, em janeiro de 2014, contratou um advogado em Miami e abriu a Meisterschaft em Belize. Isso ocorreu meses antes de a MMX pedir recuperação judicial.
Tanto a criação de estruturas jurídicas complexas quanto doações de pai para filho não são, por si, ilegais. Porém, Kaysserlian diz que “toda fraude financeira é revestida de alguma forma de legalidade”. “O repasse ao filho não é ilegal, desde que a doação não seja uma forma de proteger recursos devidos a terceiros.”
Outro processo, que corre nos EUA, pede o bloqueio de todas as empresas de Eike e seus parentes no mundo. Tanto Bicalho quando Kaysserlian acreditam que a estrutura de offshores é bem mais complexa do que a já identificada na ação contra Thor Batista. “Podem ser dezenas ou até centenas de pessoas jurídicas”, diz Bicalho.
Procurado, o advogado de Thor não quis se pronunciar. Os representantes de Eike não retornaram os contatos.
Múltiplos bloqueios
A disputa pelo dinheiro de Eike – independente do valor que ainda reste nas mãos do empresário – está aquecida. A Justiça bloqueou, no início deste mês, R$ 1,6 bilhão do empresário e de seus dois filhos, Thor e Olin. A medida foi solicitada pelo Ministério Público Federal, no âmbito da Operação Lava Jato.
Além dos processos ligados às outras empresas do grupo, a holding que controla a MMX teve a falência decretada pela Justiça do Rio de Janeiro há pouco menos de duas semanas. No entanto, também se trata de uma decisão da qual cabe recurso.
O administrador judicial da MMX, Bernardo Bicalho, espera ter prioridade no recebimento dos valores. Para sair na frente, conta com a jurisprudência estabelecida no caso do Banco Santos. Segundo ele, embora o argumento de que Eike Batista deva compensar o País como um todo pelos prejuízos de seu grupo econômico seja válido, as pessoas que prestaram serviços ou forneceram produtos sem receber o valor devido devem ser ressarcidas antes.
Foi o que aconteceu no caso do banco controlado por Edemar Cid Ferreira. Tanto os bens da instituição quanto os do controlador estão sendo vendidos, com o valor arrecadado repassado aos credores diretos. É o que Bicalho espera que ocorra no caso da MMX, cujo processo ainda está em primeira instância e cuja conclusão deve se arrastar por anos.
O procurador de falências Eronides Rodrigues dos Santos, do Ministério Público de São Paulo, que participou do rastreamento de ativos do Banco Santos – conseguindo um acórdão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que garantiu a preferência aos credores diretos da instituição perante o ressarcimento a processos criminais -, diz acreditar que a mesma lógica possa ser aplicada ao caso da MMX.
Possibilidade de retorno
Embora os credores da MMX já tenham aprovado uma recuperação judicial com desconto de mais de 80%, essa realidade pode ser modificada se a decisão tiver sido tomada a partir de uma base falsa. Ou seja: caso agora fique provada a existência de recursos de que não se tinha conhecimento anteriormente, o acordo da recuperação pode revertido.
“Só faz sentido o Estado ter prioridade no recebimento de recursos em crimes contra a sociedade, como o tráfico de drogas”, diz o procurador especializado em falência. “Do contrário, a prioridade deve ser das vítimas diretas da empresa em questão.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.