Em uma atitude histórica, o Vaticano realizou a primeira cúpula para discutir os casos de abuso sexual de crianças e adolescentes na Igreja Católica. Da quinta-feira 21 ao domingo 24, a conferência chamada de “A Proteção dos Menores na Igreja” contou com 114 representantes de Conferências Episcopais — instituições que congregam os bispos de países ou territórios. Às vésperas do evento, o Papa Francisco ainda expulsou o ex-cardeal Theodore McCarrick, que chegou a ser arcebispo de Washington, nos EUA. A atitude do pontífice reforçou o discurso e o tom que se esperava do encontro: tolerância zero. “A Igreja não se cansará de fazer todo o necessário para levar à justiça qualquer um que tenha cometido tais crimes. A Igreja nunca tentará encobrir ou subestimar nenhum caso”, prometeu o Papa.

Dentre os discursos mais marcantes da cúpula esteve o do cardeal alemão Reinhard Marx que reconheceu que a Igreja Católica destruiu arquivos sobre os autores de crimes sexuais contra crianças e adolescentes. Conhecido por uma postura mais progressista, ele pediu maior transparência nas investigações. Os escândalos da Igreja Católica no Chile e no estado da Pensilvânia nos Estados Unidos são outros exemplos importantes na história recente da Igreja sobre como círculos de poder são capazes de esconder por anos a fio situações do tipo. No caso chileno, o Papa teve de reconhecer que a Igreja falhou em assistir as vítimas e investigar as denúncias antes. Já na Pensilvânia, foi descoberto ainda um modus operandi para evitar grandes repercussões, através do qual os crimes não eram levados à justiça e, sim, silenciados. Um exemplo no Brasil é o escândalo da Paraíba em que a Justiça do Trabalho condenou a arquidiocese a pagar R$ 12 milhões em indenização por casos de exploração sexual de menores.

“A Igreja não se cansará de fazer todo o necessário para levar à Justiça qualquer um que tenha cometido tais crimes e não tentará encobrir nenhum caso” Papa Francisco

O padre Boris Agustin Nef Ullua, diretor do curso de Teologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), avalia que ainda existe uma postura equivocada por parte de dioceses que buscam proteger a instituição da Igreja em vez de priorizar o cuidado com as vítimas e classifica isso como um erro. “É uma ilusão defender a instituição nesses casos. Isso faz com que ela mesma se enfraqueça. Se a Igreja não despertar, as consequências serão desastrosas”, diz. Para Ullua, há necessidade de uma maior fiscalização dos bispos que descumprem as orientações do Vaticano e não investigam as denúncias.
O Papa Francisco tem demonstrado uma postura diferenciada de seus antecessores em muitos aspectos e isso é reconhecido pelos estudiosos. No enfrentamento ao abuso sexual, ele segue na vanguarda. Para Leonardo Boff, teólogo e ex-frei franciscano, é o primeiro Papa a encarar o assunto de frente. O teólogo critica severamente a postura de outros pontífices: “os papas João Paulo II e Bento XVI acobertaram a pedofilia na Igreja, na falsa concepção de que tal crime iria prejudicar a imagem da Instituição e sua credibilidade. Especialmente o Papa Bento XVI, em carta a todos os bispos, proibiu sob sigilo pontifício, que padres pedófilos fossem entregues à justiça civil”, afirma.

O que será feito agora

O Vaticano deve elaborar nos próximos meses documentos que deem diretrizes para todas as dioceses sobre os pontos discutidos no evento. Os novos protocolos devem envolver, entre outras coisas, orientações a respeito do processo de formação de futuros padres, no intuito de prevenir novos abusadores na Igreja. Busca-se um processo de seleção mais eficaz dos futuros clérigos. No Brasil, as arquidioceses esperam as decisões formais do Vaticano para tomarem providências. “Estamos aguardando as normativas que serão enviadas da Santa Sé”, diz Dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo.

O papa contra o abuso

PROTESTOS Manifestantes denunciam casos de abusos na Igreja antes da cúpula (Crédito:Alessandra Tarantino)

>> Expulsão do ex-cardeal americano Theodore McCarrick, de 88 anos, acusado de abusos sexuais. Decisão inédita do Vaticano.

>> Criação da Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores para escutar as vítimas e estabelecer diretrizes para o enfrentamento e prevenção dos casos

>> Publicação do Motu Proprio “Como uma mãe amorosa”, em que afirma a possibilidade de expulsão de bispos por “negligência ou omissão” em casos de abuso.

>> Cúpula sobre Abusos de Menores: primeiro encontro que reuniu presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo para analisar crimes sexuais do clero.

Colaborou Fernando Lavieri