O cálculo do governo Lula ao atacar o Congresso

Ricardo Stuckert / PR
Presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta, ao lado do presidente da República, Lula Foto: Ricardo Stuckert / PR

Uma ofensiva digital contra o Congresso tem sido registrada desde que Câmara e Senado se uniram para derrubar um decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que aumentava alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), um esforço do Palácio do Planalto para cumprir as metas fiscais.

Nas redes sociais, petistas associaram a derrubada ao que seria uma agenda contrária aos mais pobres por parte do Parlamento, tática resumida pela alcunha “Congresso inimigo do povo”. Vídeos com inteligência artificial em ataque ao presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ganharam tração, em movimento que o PlatôBR reportou ser atrelado ao Executivo pelo deputado.

Lideranças governistas dobraram a aposta e passaram a militar pela taxação de bilionários. Em agenda na Bahia, Lula chegou a segurar um cartaz pedindo a tributação das grandes fortunas. “Mais justiça tributária e menos desigualdade”, escreveu o presidente nas redes sociais, em legenda que acompanhou a fotografia.

O cálculo do governo Lula ao atacar o Congresso

Lula exibe cartaz durante manifestação

No campo político, articuladores petistas, como a historicamente combativa ministra Gleisi Hoffmann, e o líder do governo na Câmara, José Guimarães, têm atuado para preservar pontes com o Legislativo.

Com poder limitado nas Casas, no entanto, o governo recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para “derrubar a derrubada” do decreto do IOF, sob o argumento de que a votação violou o princípio da separação entre Poderes. A estratégia virou lugar comum neste mandato de Lula, como a IstoÉ explicou em vídeo.

Com aliados em ofensiva, Lula quis acalmar os ânimos. “O governo pensa uma coisa, o Congresso está pensando outra. A gente vai resolver isso em uma mesa de negociação. Eu não quero nervosismo”, disse. A mesa tem data para ser posta: 15 de julho, para quando o ministro do Supremo Alexandre de Moraes marcou uma audiência de conciliação entre representantes do Executivo e do Legislativo.

Lula ganha ou perde com isso?

A IstoÉ procurou duas especialista para responder a essa pergunta e analisar o cálculo governista.

— Karolina Roeder, cientista política

— Luciana Santana, professora da UFPI (Universidade Federal do Piauí) e diretora do Instituto de Ciências Sociais da Ufal (Universidade Federal de Alagoas)

O governo já tem dificuldades para aprovar sua agenda no Congresso. Atacar parlamentares pode agravar a situação?

Luciana Santana É necessário que o presidente Lula procure dialogar com o Legislativo, porque há excessos dos dois lados. A votação do IOF revelou falta de interlocução interna [da Câmara], o que era uma habilidade do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL).

No cenário atual, todo mundo perde: o Executivo tem dificuldade para fazer sua agenda avançar; os parlamentares ficam mais expostos às vésperas de um ano eleitoral, quando não interessa ter a imagem atrelada a impactos sociais negativos; e, naturalmente, a população fica sem ganhos em termos de aprovação de projetos.

Karolina Roeder O governo foi derrotado no Congresso e, em reação, o PT claramente chamou as bases para disputar a pauta na opinião pública, em um esforço para colocar seu programa de forma mais clara e faturar sobre discussões políticas [taxação dos ricos] que impactam efetivamente a vida da população.

A base governista não tem maioria no Congresso, e isso está dado. A perspectiva colocada [com esse movimento] é de fazer uma disputa na base, um terreno onde há mais a ganhar do que a perder.

Essa ofensiva está relacionada à estratégia do governo para as eleições de 2026?

Karolina Roeder Há um cálculo eleitoral claro, que pode gerar frutos em 2026 porque promove uma exposição política de opositores e busca repercussão na opinião pública. Na prática, é uma reação governista a movimentos que a oposição já fez, articulando candidaturas e firmando acordos partidários.

A posição do PT, neste sentido, tem o mesmo objetivo de “antecipar a eleição”. Ele [o governo] tira uma discussão do Congresso e joga para os eleitores, um grupo que pode exercer pressão sobre os parlamentares e dirimir um cenário majoritário de oposição.

Luciana Santana O governo está testando uma estratégia para embasar a campanha de reeleição de Lula. Em 2022, havia um mote claro, que era a reconstrução democrática em contraposição ao governo Bolsonaro. Para 2026, ainda não há um discurso estabelecido, e me parece haver um teste em curso.

Ainda que haja aspectos agressivos nessa tática, pode ser que a população compre a narrativa. Se a estratégia dará certo ou não, só as urnas poderão responder. Ainda há a possibilidade de que a própria reconciliação com o Poder Legislativo seja vislumbrada, o que interromperia essa construção.