DOMINGO 17 Manifestação: Cresce cada vez mais o número
de brasileiros que integram o coro “fora Bolsonaro” (Crédito: Sergio Lima / AFP)

Alguns reis baniam de seus domínios aqueles bufões, popularizados pejorativamente como bobos da corte, quando eles não cumpriam a função de fazê-los gargalhar. No caso do bufão Jair Bolsonaro, o banimento se traduz na figura jurídica e constitucional do impeachment. Como bufão do Planalto, Bolsonaro vale-se de todos os recursos dos quais os hilariantes, mas maldosos pândegos, lançavam mão nos tempos imperiais: mentiras, enganações, traições, estultícias, parvoíces, bravatas — e muita, muita arrogância. Há, no entanto, uma agravante: Jair Bolsonaro é inoportuno social e politicamente porque lhe falta seriedade nas relações humanas.

Bufão sem empatia é palhaço de índole ruim, é palhaço que faz chorar. Não sem razão, portanto, viu-se crescer, nos últimos dias, o número de pedidos de impedimento do presidente em manifestações como as que ocorreram no final da semana passada defronte à sede da Anvisa, do Congresso Nacional e do Palácio do Planalto. Na terça-feira 19, pela manhã, o placar do impeachment (monitoramento pelas redes sociais dos parlamentares) indicava cento e dez congressistas a favor, cinquenta e quatro contra e trezentos e quarenta e nove que não haviam opinado. Tudo isso embalado, mais do que nunca, pelo enorme fracasso do governo federal na questão das vacinas contra a Covid-19. Tudo isso embalado, mais do que nunca, no genocídio que ocorre em Manaus e que o Poder Executivo estava ciente de que aconteceria. O bufão se enquadra no artigo 141 da lei 1.079/50 que impõe ao presidente da República o respeito e o zelo pela vida humana.

PROTESTO Pró-vacina: Pelo sim, pelo não, valeu a pressão sobre a Anvisa (Crédito:GABRIELA BILO)

Tem mais: uma frente ampla começou a ganhar força reunindo artistas, estudantes, empresários, políticos, intelectuais e os organizados aparatos de protestos do Movimento Vem Pra Rua e Movimento Brasil Livre. Mais ainda: no Índice de Popularidade Digital da Consultoria Quaest, Bolsonaro recebeu a pior pontuação de janeiro, perdendo vinte pontos desde o início do mês. Eis o estrago que o Bufão plantou para si com suas lorotas e piadinhas de péssimo gosto em relação à pandemia e suas vítimas. Finalmente, é bom lembrar que na Câmara dos Deputados há sessenta e um pedidos de abertura de processos de impeachment, alguns deles chancelados por renomados juristas. Chegou-se a tal ponto porque ele comete um crime de responsabilidade atrás do outro. Na segunda-feira 18, usando sua surrada tática de falar frases com sentido golpista para desviar a atenção de seus fracassos, Bolsonaro declarou: “Quem decide se um povo vai viver na democracia ou na ditadura são as Forças Armadas”. Para quem já estava com a vacina estacionada na goela, o bobo da corte entalou mais coisa: sabe-se que o alto comando do Exército abominou o que ele disse, e, da reserva, manifestou-se na primeira hora o respeitado general Carlos Alberto dos Santos Cruz, que já socorreu nações em momentos de calamidades: “A fala do presidente é covardia com a população e com as Forças Armadas”.

Bolsonaro declarou que “não sou um excelente presidente”. Modéstia. Ele é um péssimo presidente

Dois zeros à esquerda

Claro que o bufão, como é de seu estilo, vai berrar em breve que não-disse-o-que-disse. Faz do vaivém retórico uma peneira para tentar esconder as asneiras que dolosamente pronuncia. Deve-se reconhecer, porém, que nesse terreno Bolsonaro bateu o seu próprio recorde no que diz respeito à vacina – e teve a companhia do general ajudante de ordens Eduardo Pazuello, no comando do Ministério da Saúde. Nunca duas pessoas mudaram tão rapidamente os seus discursos. O bobo da corte e seu auxiliar mentiram descaradamente. Até a sexta-feira 15, Bolsonaro dizia sobre a Coronavac, em tom depreciativo: “aquela vacina chinesa do João Doria” (dor nos dois cotovelos, é claro, porque é o governador de São Paulo que está salvando a população de todo o Brasil). Pois bem, na segunda-feira, com a vacina já liberada pelos competentes e íntegros funcionários de carreira do corpo científico da Anvisa, Bolsonaro assim falava para um grupinho de apoiadores na saída do Palácio da Alvorada: “A vacina é do Brasil, não é de nenhum governador, não”. Era o bufão choramingando, mendigando glória e vendo as suas mãos completamente vazias. Ah, o avião que ia à Índia apanhar a vacina da Oxford/Astrazeneca! Não decolou, a Índia minguou. Ah, bufão, quem te viu e quem te vê. Lembra quando, em outubro do ano passado, Pazuello anunciou que compraria quarenta e seis milhões de doses de Coronavac, e você, bobo bufão, publicamente o desautorizou? Aliás, falando em Pazuello, foi nessa oportunidade que, mostrando quantas dobradiças compõem a sua espinha dorsal, ele humilhou-se rindo: “um manda, o outro obedece”. O bobão do presidente se inflou.

O ajudante de ordens também mudou radicalmente o seu discurso, sempre tão ralo que, em seu caso, não há uma mudança da água para o vinho mas da água para o lodo. Desde o começo de sua gestão, o Ministério da Saúde orientou o uso da cloroquina nos primeiros sintomas da Covid. Agora, que ele deixou de ser um zero à esquerda para tornar-se dois zeros à esquerda, Pazuello, também na segunda-feira, declarou que “o início da vacinação não nos desobriga de continuar com o uso de máscara, medidas de proteção e isolamento social”. Ficou ruim, general! Na quinta-feira 14, ao lado do presidente, o senhor dissera justamente o contrário, explicara “não saber o que deu certo e o que deu errado sobre máscaras e isolamento social”. Mais: ainda na segunda-feira, Pazuello respondeu em coletiva de imprensa: “A senhora não me viu receitar {hidroxicloroquina} ou dizer para pessoas tomarem esse ou aquele remédio”. Viajemos então um pouquinho ao passado: em 22 de outrubro de 2020, Pazuello admitiu que tomou hidroxiclorquina quando contraiu Covid. Pior: em 21 de julho, igualmente do ano passado, falou: ”Nós temos aí, a hidroxicloroquina, a ivermectina e azitromicina”, e completou que se tratava de uma “orientação clara” do Ministério da Saúde. Não acabou: em maio de 2020, com endosso do bufão Bolsonaro, o Ministério da Saúde divulgou protocolo sobre o manuseio de cloroquina. Tudo isso, bufão e auxiliar de bufão, faz hoje os brasileiros gargalharem dos senhores, ridicularizá-los, desejar-lhes cadeia – nenhuma pessoa vacinada virou jacaré, mas os senhores já nasceram camaleões em seus discursos e a fanfarronice embute mais de duzentas e dez mil mortes.

PERDEU Desconsolo: Sem a vacina de Oxford/Astrazeneca e ninguém virou “jacaré” com a Coronavac (Crédito:Pedro Ladeira)

Pelo caminho do diversionismo, o bufão do Planalto voltou então a utilizar o seu entretenimento predileto para tentar desviar as mentes de seu fracasso com a vacina: atacar o STF. Aqui até dá para rir. Ele voltou a criticar a Corte, na tentativa de que os brasileiros comprem a história de que os magistrados impediram-no de agir na pandemia porque teriam delegado autonomia de ação aos municípios e estados. O Tribunal o desmentiu completamente, e quem acompanhou a determinação dos ministros sabe que de fato eles estabeleceram a “competência concorrente de estados, municípios e União, sem excluir nenhuma esfera administrativa dessa responsabilidade”. Em suma, não será por meio da projeção mentirosa que Bolsonaro se livrará do crime de ter jogado a favor do vírus. O mais famoso bufão da história chamou-se Triboulet e muito divertiu no século 15 os reis Luís XII e Francisco I. O bufão brasileiro do século 21 não tem graça alguma. O povo, que é o imperador nessa história, vai mandá-lo fazer graça sem graça em casa. Chantageando emocionalmente o povo, Bolsonaro afirmou na semana passada que “não sou um excelente presidente”. Modéstia. Ele é um péssimo presidente.