O romance juvenil “Harry Potter e a Pedra Filosofal”, da britânica J.K. Rowling, foi lançado em Londres em 26 de junho de 1997. A tiragem de mil exemplares não fazia prever que aquilo que parecia ser mais um best-seller juvenil se multiplicaria em dimensões impensáveis. As peripécias da formação do bruxo Harry e seus amigos na Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts deu origem a uma saga de sete volumes, o último lançado em 2007, que atingiu a vendagem de 450 millhões de cópias. Ao todo, foram 4.195 páginas traduzidas em 65 idiomas que tornaram Rowling a escritora juvenil de maior sucesso de todos os tempos. Aos 51 anos, ela é dona de uma fortuna pessoal de US$ 1 bilhão. Sua epopeia juvenil também alterou a maneira de ler livros, cativou um grande público e se converteu em uma das plataformas de entretenimento mais poderosas do mundo, que inclui filmes que alcançaram um sucesso imenso de bilheteria, além de sites, peças de teatro e cinco parques temáticos espalhados em quatro continentes.

O êxito comprovado pelos números se baseia numa razão simples: Rowling estabeleceu uma relação com seu público e enfeitiçou os leitores de várias gerações com narrativas envolventes. Assim, o bruxo virou objeto de um culto popular planetário: a pottermania, religião que encoraja os que leem a escrever suas próprias histórias. Essa atividade é denominada “fanfiction” ou “fanfic”, narrativas inspiradas em outros livros.

COSPLAYER Julia Jurkowistch, 24, frequenta até hoje eventos que falam sobre o bruxo e seu universo (Crédito:ANDRE LESSA/ISTOE.)

A jovem Joanne Rowling praticou fanfic antes de existir o termo. Diz que aos 11 anos imaginou a personagem Hermione, mas só concluiu a narrativa aos 28. Desempregada e divorciada, morava em Edimburgo com a filha Jessica, de 1 ano, na casa da irmã. Passava horas no café The Elephant House, batucando fantasias à máquina de escrever, enquanto consumia chá e charutos. Em 1996, enviou às editoras a prova de “Harry Potter e a Pedra Filosofal”. Doze a recusaram. Algumas acusaram-na de copiar a série “Aventuras de Crestomanci” (1988), sucesso de Diana Wynne Jones, sobre um menino mágico. Até Diana veio a público denunciar a contrafação. Isso atrasou a carreira da obra. Era no tempo em que “fanfic” não passava de “plágio”. Só a editora Bloomsbury percebeu o potencial de inovação do texto. Um revisor sugeriu que não assinasse o livro com o primeiro nome porque os meninos nunca leriam histórias sobre um bruxo escritas por uma menina. Ela escolheu o pseudônimo J.K. Rowling. Veio o sucesso.

Fanfic e fantasias

No Brasil, as traduções da saga foram lançadas entre 2000 e 2007 pela editora Rocco. A coordenadora editorial Monica Figueiredo lembra que negociou a publicação do título na Feira de Frankfurt de 1998. Ela se surpreendeu porque, ao contrário do hábito, não foram os pais, mas as crianças que impulsionaram o interesse pelas aventuras. “Elas se apaixonaram por aquele mundo”, conta. “O interesse dos pais surgiu porque queriam conhecer o que estava encantando seus filhos. Descobriram uma narrativa que gera empatia entre leitor e personagem não só pelas características de personalidade como pelas situações abordadas em seu dia-a-dia, como maus-tratos, romances adolescentes, aventuras e desafios, perda dos pais, bullying e amadurecimento.”

O resultado é que as crianças que liam Harry Potter no início do século cresceram e chegam agora à idade com que J.K. Rowling começou a publicar. Em 26 de junho, fãs de 5 a 30 anos atingidos diretamente pelo fenômeno festejaram o aniversário da primeira edição. No Brasil, os pottermaníacos continuam a comemorar por meio de rituais: releem os livros, fazem maratonas de filmes, se vestem como os personagens, montam grupos de leitura, escrevem fanfic e ainda mantêm a decoração do quarto com temas que remetem à série. O professor de japonês Caio Pacheco, de 28 anos, começou quando tinha dez anos. “Continuo fanático”, diz. Ele tem quatro réplicas de varinhas, bonecos e edições em várias línguas. Outra fã é a paulistana Lívia Jurkowistch. Quando não está trabalhando em marketing, escreve fanfic e faz cosplay da versão feminina de Draco Malfoy, o loiro que inferniza a turma de Harry. Seu primeiro contato com Hogwarts foi aos 6 anos. Aos 24, relê a série pela terceira vez. “Leio 30 livros por ano e tudo isso começou porque eu me apaixonei por Harry Potter”, diz. Inspirado no bruxo, Bruno Pajtak, de 25 anos, formou-se em História e faz mestrado sobre Shakespeare. “Foi a partir de Harry que me interessei por ler e isso influenciou no que eu escolhi para o futuro”, explica.

TEATRO Peça mostra como é a vida de Harry adulto e pai de três filhos (Crédito:Divulgação)

Para Monica Figueiredo, o motor do sucesso da “plataforma Rowling” foi ter colocado a leitura como o centro emissor de ideias de uma constelação de atrações tecnológicas. “Isso contribui para que jovens e crianças busquem novas leituras e experiências literárias ao longo da vida”. J.K. Rowling não triunfou pelo marketing, mas por ter preparado uma armadilha que atrai os jovens para a mais fascinante das diversões: a leitura.

CRIADORA J.K. Rowling (Crédito:Neil Hall / Reuters)

Harry Potter S/A

450 milhões de cópias é o total de livros vendidos da série
US$ 7,7 bilhões é a soma das bilheterias dos 8 filmes da franquia no mundo
… criou uma geração de leitores… 51% dos leitores de Harry Potter com idade entre 5 e 17 anos afirmam que não liam livros por diversão até conhecer a saga
…e o fenômeno “fanfiction”… 80 mil histórias escritas por fãs de Harry Potter foram publicadas apenas na página harrypotterfanfiction.com