Em discurso sobre a liberdade de expressão, num evento promovido pela Fundação Getúlio Vargas, na última semana, o diretor da Polícia Federal fez uma afirmação curiosa. Andrei Passos disse que, após ter acesso aos depoimentos dos golpistas presos em 8 de janeiro, constatou que eles vivem uma espécie de “surto coletivo” e “não se dão conta de que vivem no mundo real, não no virtual”. Esse tipo de comentário não é exatamente algo que se espera ouvir do chefe da polícia de um país, digamos, normal.

Parece algo que soaria mais adequado na boca de um responsável por manicômio ou um hospital psiquiátrico. Mas tenho a triste impressão de que quem viveu os quatro anos da gestão Jair Bolsonaro consegue compreender perfeitamente o contexto por trás dessa fala. Quando penso na situação absurda pela qual o Brasil passou, tenho a impressão de que estamos falando de uma época distante no tempo. Não é nada disso: foi outro dia.

Há apenas alguns meses, assistimos a um grupo de pessoas reunidas às margens de uma estrada, em volta de um pneu, rezando não se sabe bem o que e nem para quem. Havia também gente acampada na frente de quartéis, pedindo que as Forças Armadas defendessem a democracia por meio de uma intervenção militar.

Quando penso na situação absurda pela qual o País passou, tenho a impressão de que tudo aconteceu há muito tempo. Nada disso: foi outro dia

Teve até quem apelou para o Universo, ligando as lanternas dos celulares para estabelecer contato com extraterrestres e pedir a ajuda deles para “salvar o Brasil”. Se relatarmos essas ações para psicólogos ou psiquiatras, não tenho dúvidas de que essa turma seria considerada incapaz ou diagnosticada com algum transtorno cognitivo.

No entanto, essas mesmas pessoas eram nossos parentes, vizinhos, amigos de longa data. Brasileiros que simplesmente abandonaram suas faculdades mentais para apoiar um grande mentecapto. Um ser nefasto que, sentado na cadeira mais importante da República, negava as vacinas e a ciência, sem se importar com o fato de que aquela era a única forma de defesa contra uma pandemia assassina.

Um homem que, simultaneamente, estimulou a compra de armas e o ódio às mulheres, levando o Brasil a bater recordes de feminicídios. Alguém cujo ódio pelos indígenas quase levou uma etnia milenar à extinção. O pior é saber que o surto coletivo que vivemos há quatro anos ainda não acabou – e que há gente do mal que ainda acredita que vive no mundo virtual, não no mundo real.