Sem proposta na mão e também sem ideia na cabeça, adaptando-se aqui o lema do Cinema Novo à política velha de Jair Bolsonaro, a delegação do governo brasileiro desembarcará nos próximos dias na cidade de Glasgow, a maior da Escócia e terceira mais populosa do Reino Unido, para participar da 26ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 26). Mesmo antes de o evento começar, o que se dará no dia 31 desse mês, a mídia internacional já iniciou a publicação de notícias nada abonadoras sobre o País. Em direção à COP – uma reunião de líderes na qual, embora se trate de assuntos técnicos relacionados ao meio ambiente são igualmente importantes as discussões e os compromissos políticos – voltam-se todos os holofotes. É natural, assim, que o Brasil torne-se centro de críticas e perplexidades. “A imagem do País está muito desgastada no exterior”, diz Virgílio Viana, superintendente-geral da Fundação Amazônia Sustentável e um dos assessores do papa Francisco na questão climática. “Há uma pressão muito forte para que o governo federal mude a narrativa que ancora o aumento do desmatamento”.

O mundo sabe que, em meados de junho, o vice-presidente Hamilton Mourão pediu reiteradas vezes ao presidente Bolsonaro que o indicasse como chefe da delegação, até porque é ele quem comanda o Conselho Nacional da Amazônia Legal. Bolsonaro o desprezou completamente e, com isso, passou às autoridades ligadas à COP duas péssimas impressões, se analisadas politicamente. A primeira: não prestigia o seu próprio vice-presidente; a segunda: não prestigia o evento. Quem capitaneará a delegação? Até a quinta-feira 21, por incrível que pareça, o nome não estava definido. O ministro do Meio Ambiente, Joaquim Leite, que deveria estar à frente de um trabalho efetivo para minimizar a deterioração ambiental no País, diante de um mundo cada vez mais preocupado com esse tema, segue fora de órbita. Leite não tem nenhuma experiência executiva, acata tudo que vem de Bolsonaro e, na verdade, pouco fez para mudar a predatória política de Ricardo Salles, a quem sucedeu. “O Brasil chegará à COP com um Estado muito frágil e uma política ambiental que não corresponde às demandas internacionais”, diz Maureen Santos, coordenadora do Grupo Nacional de Assessoria da ONG FASE, organização internacionalmente reconhecida pela forte atuação na defesa do meio ambiente. “Corremos sério risco de passar muita vergonha”.

O INEXPERIENTE O ministro Joaquim Leite: fora de órbita (Crédito:Divulgação)

Também não está repercutindo bem no exterior a discussão do governo brasileiro sobre a possibilidade de levar a Glasgow quatro agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Isso aconteceu em 2019, e não engrandeceu em nada o País: militares monitorarem uma conferência de natureza civil? Monitorarem até delegações estrangeiras? Foram membros do Itamaraty que dissuadiram Bolsonaro, e ninguém da Abin irá à COP 26. Tanto melhor, porque aquilo que o governo brasileiro tinha de levar, de fato, que são dados concretos de redução na emissão de gases causadores do efeito estufa, além de novas propostas exequíveis nessa área, nada disso seguirá na bagagem da comitiva, uma vez que a visão de meio ambiente tida pelo governo federal é cada vez mais arrasadora: somente no ano passado, o Brasil registrou o maior número de queimadas em uma década: mais de duzentos e vinte e dois mil focos de incêndios. Ao perceber que o cenário não está nada favorável, Bolsonaro tentou enganar o mundo na semana passada anunciando uma parceria com o presidente da Colômbia, Iván Duque, com quem teve um encontro no Palácio do Planalto: “Chegaremos unidos em Glasgow para tratarmos de um assunto muito importante para nós: nossa querida, rica e desejada Amazônia”. Claro que não enganou sequer uma árvore.

O governo chegou a cogitar em levar a Glasgow agentes da Abin para monitorar delegações estrangeiras. A aberração seria tão grande que o Itamaraty fez Bolsonaro mudar de ideia

O lavrador de cinzas Falando em enganação, a comitiva levará, isso sim, “pedaladas climáticas”. Os números que serão apresentados sobre emissão de gases causadores do efeito estufa saíram de cálculos feitos com base no 2º Inventário Nacional (2005), desprezando atualizações mais precisas do 3º e último Inventário (2020). Resultado: o governo brasileiro falará em emissão de 2,1 bilhões de toneladas de dióxido de carbono, enquanto o correto seriam 2,8 bilhões de toneladas. Torna-se automaticamente falseado, dessa forma, o compromisso de redução em 37% das emissões até 2025 e em 43% até 2030. “Um discurso mentiroso na ONU não sobrevive a dois minutos de Google”, diz Marta Suplicy, secretária municipal de Relações Internacionais, de São Paulo. “É constrangedor o fato de o governo federal tentar fazer de palhaços os interlocutores internacionais”. É também em São Paulo que as lorotas que serão contadas na COP já começaram a ser denunciadas em espaço público. O grafiteiro, artisticamente chamado Mundano, fez, na fachada de um prédio, uma releitura da obra “O Lavrador de Café”, de Cândido Portinari. Para mostrar que nossas florestas estão sendo destruídas, ele cobriu a pintura com duzentos e vinte quilos de fuligem, colhidos em diversos biomas degradados.