EUA O governo fez o que deve ser feito: campanha de orientação e imunização (Crédito:KENA BETANCUR)

Erram os que estão criticando a Organização Mundial da Saúde (OMS) pelo fato de ela ter declarado estado de emergência global em relação à enfermidade denominada varíola dos macacos, uma vez que o número de infectados ainda é relativamente baixo. Erram, e aqui vai a explicação para o arriscado equívoco: em se tratando de doença causada por vírus, a preocupação de médicos e cientistas sempre é, principalmente, com a velocidade da transmissão do agente patogênico e não com a quantificação em si de contaminados. Acertou, portanto, a OMS ao alertar todos os países. Entre o domingo 24 e a terça-
feira 26 o índice de enfermos subiu de 16 mil pessoas para aproximadamente 18 mil em 75 países fora do continente africano, onde a varíola é endêmica. O ritmo está por demais de acelerado. E o Brasil, onde assistimos ao espantoso aumento de 33% de diagnósticos em 48 horas, vê-se preparado para proteger a população? Está levando a sinalização da OMS com os cuidados adequados? A resposta, em palavras duras, veio da líder técnica da própria OMS, Rosamund Lewis, especializada na área de varíola de macacos: “não, o Brasil não está preparado”. Disse mais: “a situação do Brasil é muito preocupante” — na terça-feira o País contabilizava 813 casos, e a maioria deles (590) se concentrava no estado de São Paulo.

Da mesma forma que na Covid, na varíola os testes são fundamentais – da mesma forma que na Covid, não os temos. Da mesma forma que na Covid, “faltou informação com clareza”, a exemplo do que diz a infectologista e epidemiologista Luana Araújo – da mesma forma que na Covid, os brasileiros estão no escuro. O vírus da varíola dos macacos não é letal como é o coronavírus, mas, nesse ponto, volta-se à preocupação e à motivação da OMS em estabelecer a emergência global: vírus sofrem mutações, podem surgir cepas de alta letalidade, e não dá para ficar numa posição negacionista e de braços cruzados como o Ministério da Saúde, mais uma vez, está a fazer. E, quando faz, faz errado: desativou a comissão que acompanhava a evolução do vírus (aquilo que tecnicamente se chama Sala de Situação da Varíola dos Macacos), e, conforme alerta a cientista Luana, “não desenvolveu nenhum plano para frear a disseminação”.

Ministério ausente

Iremos nós para o mesmo descaminho do precipício? A rigor, já estamos indo. A única desenvolvedora de vacina específica para varíola dos macacos é a farmacêutica dinamarquesa Bavarian Nordic. Seu vice-presidente de relações junto a investidores, Rolf Sass Sorensen, explicou que países que compraram a vacina o fizerem há nove semanas. O governo brasileiro não apresentava, até meados da semana passada, sequer uma gota de dose negociada. Alemanha, Dinamarca, Reino Unido e EUA estão apenas aguardando a chegada de suas encomendas de imunizantes, ainda que elas não sejam suficientes, nesse primeiro momento, para imunizar toda a população – a empresa tem capacidade de produzir apenas 30 milhões de unidades anuais. “Japão e Israel já estão vacinando a população”, diz a infectologista da Unicamp Raquel Stucchi.

Quanto ao Brasil, nada foi feito. O Ministério da Saúde sequer recomendou o retorno do uso de máscaras (o contágio pode ocorrer por gotículas de saliva, embora em menor grau que a Covid), nem organizou campanhas sobre os cuidados que devem ser tomados nos contatos físicos, incluindo-se entre eles, obviamente, o contato maior que são as relações sexuais – é justamente esse contato com as lesões da doença o principal fator de transmissão. O ministério da Saúde diz que já está em tratativas para aquisição de imunizantes. O estranho é que a farmacêutica Bavarian Nordic não confirma esse fato. Na verdade, em se tratando do nosso Ministério da Saúde, nada é tão estranho assim.

Por que não é DST?

CIÊNCIA A infectologista Raquel Stucchi: o vírus é transmitido por simples contato (Crédito:ANNA CAROLINA NEGRI / AG. ISTOE)

A varíola dos macacos, causada pelo vírus monkeypox, não é considerada uma doença sexualmente transmissível (DST) por causa da conceituação na qual está enquadrada. “A enfermidade não está caracterizada como uma moléstia que tem como sua principal forma de contágio a relação sexual como ocorre, por exemplo, com a sífilis”, diz Raquel Stucchi, infectologista da Unicamp. Ela explica que isso não é observado no histórico da contaminação. Ou seja, não é DST, pois não é necessário ter uma relação íntima para ser transmitida. Mas, sim, pelo contato próximo com lesões, fluidos corporais, gotículas respiratórias e materiais contaminados.

O que aconteceu, especificamente nesse surto, é que 90% das pessoas contaminadas são homens homossexuais. Agora, porém, não há nada que impeça o ajustamento da infecção como DST, como propõem um estudo divulgado recentemente pela publicação científica New Englad Journal of Medicine, o qual apontou que 95% dos casos de propagação estão relacionados ao sexo. Mesmo que a definição seja alterada, fica valendo o que disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom. “Estigma e discriminação podem ser mais perigosos que qualquer vírus”.