[posts-relacionados]Luana Piovani não é só uma atriz famosa de 42 anos. Ela tanto encanta os fãs na televisão, cinema e teatro, como atiça os ânimos de “haters” e “lovers” que coleciona na internet. Nos últimos quatro anos, tornou-se uma das influenciadoras digitais mais controversas do Brasil. Hoje mantém um perfil popular no Instagram — onde escandaliza com nudes — e um canal no YouTube com 200 mil inscritos voltado à autoajuda cujo título a descreve com precisão: “Luana sem Freio”. Nele, opina sobre família, religião, sexualidade e sobretudo política brasileira. Tem atacado os candidatos Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Acaba de entrar para o movimento #EleNão. Embora feminista, expõe as contradições de suas colegas. Nesta entrevista, concedida em São Paulo no lançamento do filme “O Homem Perfeito”, ela revisa a carreira, conta por que vai se mudar para Portugal e desmascara as atrizes nacionais que não denunciam os assediadores por medo de perder emprego. Ela ainda vaticina que o Brasil só vai mudar quando voltar à superfície.

Que balanço você faz de sua carreira como atriz e youtuber?

Sou muito orgulhosa da minha carreira, que construí sempre prezando pela independência. Isso fez com que eu pudesse ter tido uma variedade de trabalhos e experiências muito grande: comédia, drama, infantil, adulto, sex symbol. Enfim, tive blog mil anos, muito antes de existir redes sociais, as pessoas dando opinião, eu já me comunicava e dizia o que eu achava interessante ser dito por aí.

Você está se mudando com a família para Portugal. A mudança é uma rejeição ao Brasil atual?

Na verdade, estou me mudando para Portugal por medo da violência, porque ela está chegando cada vez mais perto. E eu não tenho condições de passar por nem um tipo de situação difícil com meus filhos. Eu já passei muitas situações, talvez quase todas eu já vivi, e não concebo isso para meus filhos. Vamos nos mudar para Cascais em janeiro. Estamos começando a organizar. O Pedro (Scooby, surfista profissional e marido de Luana) vai para lá agora para a temporada de onda grande em Nazaré e vai ver a casa que a gente vai alugar, se Deus quiser, em dezembro. Ele continua com todos os patrocínios aqui no Brasil. Levo minha vida exatamente igual, de independência e trabalhos pontuados. O filme que acabei de fazer, “O Homem Perfeito”, fiz em cinco semanas. Sou apta de vir ao Brasil para fazer o trabalho e voltar. O filme anterior fiz em 15 dias.

Você é crítica quando se comunica com o público via redes sociais. Como influenciadora digital, você se considera uma provocadora?

Provocadora é uma palavra boa. Acho que sim. As pessoas me chamam de polêmica, o que é um equívoco. Porque “polêmica” soa como algo gratuito. Provocadora, sim. Tenho sorte de ser provocadora porque vivo em um planeta (leia-se: “Brasil”) onde todos preferem o silêncio. Se as pessoas tivessem um pouco mais de coragem de dizer coisas que precisam ser ditas, eu não estaria neste lugar de provocadora. Seria uma constante as pessoas apontando as faltas, buscando seus direitos. No Brasil fica todo mundo mudo em cima do muro.

Você usa as redes de uma forma incisiva. Recentemente postou no Instagram um nude que causou polêmica. É uma maneira de contestar o politicamente correto?

Esse mundo não é meu. Essa cartilha nunca entrou na minha casa. Para mim politicamente correto é ter ética e saber que a liberdade do outro vai até quando começa a sua. O politicamente correto não existe. Dentro de sua casa, quem faz a sua cartilha é você. Agora, você não pode agredir e faltar com respeito com o outro.

A foto nua algemada que você postou agrediu certas pessoas…

A foto da minha bunda?A minha bunda é igual à de todo mundo. Acho engraçado. As pessoas deveriam ocupar o tempo com coisas mais relevantes. Porque bunda todo mundo tem, é rachada no meio e tem duas bandas, é de todos. Eu tinha postado uma foto da bunda dos meus filhos. Aí começaram a me encher o saco, então tá, eu falei: então tomem a minha bunda.

A foto de seus filhos tomando banho provocou escândalo porque muitos disseram que ela poderia ajudar a alimentar redes de pedófilos. Você não ficou com medo disso?

Caguei. Tenho medo de gente, de arma, de bala perdida, de políticos desviando dinheiro. Não tenho medo de gente que pega imagem para fazer o que quer que seja, foda-se.

Qual sua opinião sobre o processo político no Brasil, com as eleições?

O processo político pelo qual a gente está passando é o do caos. A gente ainda precisa ir mais um pouquinho para o fundo do poço — que está faltando pouco – para finalmente a gente talvez conseguir fazer o caminho inverso, que é o de evoluir, subir e melhorar alguma coisa.

Qual seria o fundo do poço?

Não tenho ideia, mas ainda acho que ainda falta acontecer alguma coisa bastante grave para que realmente as pessoas criem uma consciência. O brasileiro já despertou, está mais lúcido. Mas, ainda assim, a gente está anestesiada, conseguindo levar a vida, sabe? Tem cerveja gelada, tem futebol na TV, ainda estamos vivendo. Não sei, se um dia cancelarem o carnaval, imagina se cancelarem o carnaval em Salvador e no Rio de Janeiro? Ou imagina se morre o filho de um político com uma bala perdida. Está faltando um golinho: tem que acontecer um troço, e aí o bicho vai pegar. Sei lá, estourar uma bomba, alguém entrar para fazer um sequestro no Shopping JK, sabe assim? Falta uma bombona, e aí o bicho vai pegar, daí as pessoas pessoas falarem realmente agora a gente tem que parar tudo e agora tomarem vergonha na cara e não deixar mais isso acontecer.

Você acha positiva a polarização ideológica entre ultradireita e esquerda que se dá agora nas eleições do Brasil?

É triste porque todo o radicalismo é burro, de direita e esquerda. A virtude está no meio-termo.

Qual a sua opinião sobre Jair Bolsonaro?

Eu adoraria nem vê-lo. Gostaria de que ele nem existisse. Ele me envergonha e constrange.

E Lula, que apoia Fernando Haddad?

Eu também o abomino. Lula foi o grande traidor. A gente imaginou que alguém do povo fosse cuidar do que a gente precisa, que é educação, saúde e segurança. Lula fez exatamente o oposto e nos traiu. Olhou para o próprio umbigo e foi enriquecer, curtir, viajar, aprender a dar palestras, cortou o cabelo começou a ficar bem vestido.

Você é a favor do movimento #EleNão, que reuniu centenas de milhares de mulheres nas ruas?

Eu acho ótimo e aderi ao #EleNão. As mulheres significam 57% da população. Se elas tivessem se reunido antes, não teriam dado chance de esse monstro concorrer à presidência. Eu confio no bom senso das mulheres.

O caso de agressão em 2008 de seu então noivo Dado Dolabella no Rio de Janeiro, que você denunciou publicamente, pode ter ajudado outras mulheres a lidar com maridos abusivos?

Eu me lembro do depoimento de um analista que morava no meu prédio, que eu não conhecia e me mandou uma carta dizendo: “Luana, sou seu vizinho de prédio, sou analista e atendo na Zona Sul (para você entender quem são os meus pacientes). Parabéns pela coragem e nobreza de sua atitude, porque depois que você denunciou o caso, três pacientes minhas denunciaram casos parecidos aqui no meu consultório — e eu não estou falando de pessoas que vivem uma realidade difícil, com poucos privilégios”. Ele queria dizer que era um analista do Leblon, que custa o que eu pago pelo meu, R$ 850 por 50 minutos. Ajudei a quem estava apto a receber essa ajuda porque a pessoa em que querer recebê-la e nãos se fechar. Mas também eu fui muito espezinhada, muito mais que respeitada pelo ato corajoso que eu tinha tido. Essa história de “mexeu com uma, mexeu com todas” é um blefe, uma mentira.

Esse é o lema do movimento de protesto em Hollywood #MeToo. Você não concorda com ele?

Estou falando do movimento daqui. A artistas fizeram aquelas fotos bonitas de selfie com a camiseta como lema para dizerem que estavam fazendo um movimento. Quanto o #MeToo, li que a atriz italiana Asia Argento, que iniciou o movimento, se ferrou porque foi pega em flagrante com um menino, e ferrou o menino, e ela foi demitida. Mas, na minha época, não teve nada disso e continua a não acontecer nada. Todo mundo que fez o protesto não denunciou nenhum assédio sexual. Ninguém abriu a boca para falar nada. Você acha mesmo que a única pessoa que sofreu assédio na vida na indústria do cinema, da televisão e das artes no Brasil foi aquela menina chamada Su (Tonani, figurinista que denunciou o assédio do ator José Mayer nos bastidores da TV Globo em 2017)? Faça-me o favor!

Acha que deveria haver um movimento mais forte?

Acho que deveria haver um movimento mais real, menos redes sociais, mais verdadeiro e menos postado.

Então você pensa que as mulheres ainda não contaram tudo sobre assédio e ataques sexuais que sofreram?

As mulheres não se uniram. Estamos a caminho de fazer isso. Mas ainda não aconteceu.

Por que um movimento com a força do #MeToo não vingou no Brasil?

Porque aqui ninguém tem coragem. Todo mundo está com medo de perder o emprego.

As atrizes americanas não tiveram medo de denunciar o assediador Harvey Weinstein. Por que isso não poderia ocorrer no Brasil?

Acho que isso aconteceria por aqui se fizessem o serviço completo.

Que seria o serviço completo?

Denunciar. Ninguém denunciou, só tem uma denúncia. Exibiram a camiseta com o lema “Mexeu com uma, mexeu com todas”, mas só veio a tona um único caso de assédio. Não existe movimento com apenas um caso de assédio.