A luz amarela voltou a acender para as contas da Previdência Social menos de quatro anos após a reforma previdenciária que estreitou o funil para despesas com os benefícios. Ela trouxe a exigência de uma idade mínima, e mudou as bases de cálculo com redução no valor das aposentadorias. Não havia a ilusão de que as mudanças iriam zerar o déficit do setor, mas ao menos que tivessem a capacidade de frear o ritmo de seu crescimento, evitando uma explosão do sistema.

Com a reforma de 2019, a estimativa do próprio governo prevê uma economia de cerca de R$ 800 bilhões em dez anos, de 2020 a 2029. É um alívio, mas as cifras estão longe de trazer o equilíbrio entre as receitas e as despesas da Previdência. Em 2023, os custos gerais da Previdência, incluindo INSS, servidores públicos civis e militares do Governo Federal, e do Fundo Constituticional do Distrito Federal, ultrapassaram a casa de R$ 1 trilhão, provocando um rombo de R$ 425 bilhões nas contas, o que drenaria mais da metade das economias provenientes da reforma.

Mais alarmante ainda são as projeções atuariais específicas do setor público, União, Estados e Municípios. Ao considerar entradas e saídas de recursos previdenciários em um período de tempo de 75 anos, esse déficit romperia a casa de R$ 5 trilhões em 2023, de acordo com cálculos do Ministério da Previdência (veja gráfico abaixo).

Em retrospectiva, os números comprovam a bola de neve do déficit. “Em 2008 as despesas previdenciárias de servidores eram de R$ 243 bilhões e em 2023 superaram a casa de R$ 1 trilhão”, informa Rogério Nagamine Costanzi, especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental.

A situação pode se tornar mais grave porque, embora o governo, em sua proposta original de reforma, tenha unificado os critérios para servidores das três esferas governamentais, ao passar pelo Congresso os regimes para o funcionalismo estadual e municipal foram excluídos das mudanças.

Pior ainda, diz o especialista: ganharam a liberdade para determinar suas próprias regras — somente 1/3 dos municípios aderiram os critérios da reforma.

Além dessa distorção de tratamentos diferenciados entre os contribuintes, outros dois pontos que prejudicam a arrecadação ficaram fora da reforma, lembra Costanzi. Eles estão ligados a categorias de contribuintes rurais e MEIs (microempreendedores), que recolhem com valores relativamente baixos e insuficientes para cobrir suas despesas.

 No caso do microempresário, explica ele, a contribuição é de 5% sobre o valor do salário mínimo, e a arrecadação total do setor representa apenas 1% de toda a receita da Previdência Social. Ao mesmo tempo, a classe dos MEIs é expressiva e representa 10% do Regime Geral da Previdência (INSS): “Há que se considerar o crescimento do número de brasileiros que passaram a contribuir com esse valor mais baixo”.

• A mesma coisa acontece com os contribuintes rurais, em que não apenas a contribuição é irrisória, como a idade mínima permaneceu mais baixa, de 60 anos para o homem e 55 para a mulher. Lembrando que, pela reforma, esse piso foi elevado para 65 e 62 anos, respectivamente, para os demais contribuintes. Segundo Costanzi, no regime rural, a receita paga apenas 5% das despesas.

São dois problemas do ponto de vista de financiamento. Fechar as torneiras por onde vazam os recursos, portanto, é prioridade. Mas há outras pressões, pondera o professor da FIA Business School, Arnóbio Durães. “As pessoas estão vivendo mais, há mais contribuintes, e as despesas da Previdência saltaram de 20% para 50% dos gastos totais nas últimas três decadas”.

Quanto mais gastos na Previdência, menos recursos haverá para investir no País. “Os investimentos desabaram de 16% para 2%, nesse mesmo período”, destaca o professor.

E a retração da economia também é relevante nesse contexto, porque reduz a arrecadação e eleva o déficit, não só da Previdência, como das contas públicas em geral.

Nova Reforma

Uma reforma estrutural seria a saída para os problemas crônicos da Previdência Social, concordam os dois especialistas, que entendem a urgência do assunto.

“A partir de 2027 será necessário discutir uma nova reforma. Não acredito que isso aconteça até 2026, porque tem a Reforma Tributária e sua regulamentação, as eleições, temos as municipais deste ano. Promover a reforma não vai estar na agenda desse governo”, diz Costanzi.

Durães, da FIA, diz que as iniciativas do governo Lula tendem a ser voltadas para os mais necessitados nos próximos anos, por meio do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), Bolsa Família, entre outros. Ele espera que a reforma elimine as distorções na distribuição de recursos entre as aposentadorias do setor público e do INSS.

Para se ter uma ideia, os últimos dados divulgados pelo Ministério da Previdência em 2021 indicam que havia cerca de 22 milhões de aposentados pelo INSS e de 635 mil de aposentados pelo serviço civil e militar da União. Mas a situação do setor público é mais crítica, porque em 2023 suas receitas foram de R$ 49 bilhões, valor capaz de cobrir apenas 24% de suas despesas, com déficit de R$ 112 bilhões. No INSS, R$ 589 bilhões em receitas cobriram 65% das despesas.

Uma reforma estrutural urgente também é defendida pela Associação Brasileira das entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp). Por ocasião da formulação Reforma da Previdência, a entidade esteve nas mesas de discussões apresentando sua proposta de oferecer previdência complementar para todos os contribuintes.

Desde então, o modelo proposto é sustentado por quatro pilares, explica o presidente Jarbas de Biagi. O conceito básico é garantir um benefício mínimo como proteção a todos os segurados, e benefícios mais altos de acordo com as faixas de contribuição.

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O ministro da Previdência Social, Carlos Lupi: necessidade de equilibrar receitas e despesas continua, mas não há expectativas de mudanças nesse governo (Crédito:Joédson Alves/Agência Brasil)

Contribuição e benefício

Tendo como parâmetro um benefício médio do INSS, a renda mínima seria de R$ 725, mais benefício assistencial para os que não contribuem ou contribuem com muito pouco com a Previdência.

• Para os que recolhem, a aposentadoria poderá variar de R$ 725 até R$ 2.900. Nessas duas modalidades, os benefícios serão bancados pelas contribuições previdenciárias por meio do regime de repartição.

• Para benefício superior e até oito salários mínimos haverá um sistema obrigatório de capitalização, a ser feito com contribuições do próprio segurado a empresas de previdência complementar e uma parcela do recolhimento do FGTS.

• Acima de oito salários mínimos, o participante é livre para definir o valor da contribuição, como já existe hoje.

O modelo tiraria então o compromisso gigante da Previdência Social de bancar integralmente todos os segurados. É um modelo defendido há décadas por especialistas, aplicado com sucesso em outros países.

O presidente da Abrapp ressalta que a mudança trará melhorias para a sociedade. “Como as receitas do País estão comprometidas com esses compromissos, o investimento foi de 0,6% do PIB. Virão mais investimentos, mais empregos, mais renda a todos, mais arrecadação, criando um círculo virtuoso”.

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