A principal mazela brasileira, a desigualdade, vem se intensificando nos últimos cinco anos e tende a se tornar ainda mais cruel por causa da pandemia do coronavírus. Se a distribuição de renda no País já era sofrível, a expectativa é que piore daqui para frente. Os fatores imediatos que contribuem para a deterioração do quadro social são o aumento do desemprego e do número de desalentados, gente que desistiu de procurar uma nova ocupação, e a impossibilidade de atuação de milhões de trabalhadores informais, impedidos de exercer sua atividade. O isolamento social tornou impossível para muitas pessoas buscarem o pão de cada dia e criou um ambiente de incerteza que afeta principalmente a parte baixa da pirâmide e não deve se dissipar nos próximos meses. Os últimos dados do Banco Mundial, divulgados em abril, revelam que o número de brasileiros vivendo com menos de US$ 3,20 (R$ 17,00) por dia passou de 14,3 milhões para 19,2 milhões entre 2017 e 2018. Um estudo publicado pelo Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que, entre 2012 e 2019, a renda da metade mais pobre da população caiu 18%, enquanto o 1% mais rico teve um aumento de quase 10% no seu poder de compra.

Ajuda emergencial

O cenário é nebuloso, com o aprofundamento da crise econômica, e aponta para um encolhimento do mercado de trabalho. O tempo para recolocação das pessoas que estão perdendo o emprego agora será dilatado porque a recuperação da atividade será lenta. A ajuda emergencial de R$ 600, concedida pelo governo federal para a população desassistida, deverá amenizar os efeitos econômicos da pandemia e impedir uma explosão da miséria, mas não será suficiente para reverter o ciclo de empobrecimento, já que seus benefícios são de curto prazo. Se o governo não prolongar a ajuda e não fizer mudanças estruturais, a tendência é que, passado o período de isolamento, a penúria se alastre. “A pandemia fez todo mundo ganhar menos ao mesmo tempo e mostrou que o custo da desigualdade é maior do que se imaginava”, diz o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), Pedro Ferreira de Souza, autor do livro “Uma história da desigualdade: a concentração de renda entre os ricos, 1926-2013”. “Todo mundo já estava acostumado com a desigualdade no cotidiano, mas o coronavírus está mostrando seu lado mais trágico e perverso”.

“O governo parou no dever de casa número 1, que é o socorro emergencial”, diz o economista Paulo Rabello de Castro, ex-presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), para quem a pandemia encolheu consideravelmente a base do mercado de trabalho. “Deveria haver também um segundo grande programa de apoio ao empreendedorismo e um modificação radical do contrato de trabalho que alterasse seus fundamentos fiscais”. Segundo Castro, na sua falta de estratégia para enfrentar a crise, o governo de Jair Bolsonaro se esqueceu do setor produtivo e abandonou as micro e pequenas empresas ao seu próprio destino. Só no final de junho, depois de mais de cem dias de pandemia, foi colocado em prática o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que garantirá uma linha de crédito para financiamento da folha de salários das empresas por dois meses. Além disso, ele acredita que a ajuda emergencial de R$ 600 pode colocar muita gente na “armadilha do conforto provisório” e desmotivar a pessoa a procurar um trabalho ou inicar um empreendimento. “Um garçom que perdeu o emprego, por exemplo, não vai encontrar outra porta aberta rapidamente”, afirma. “Hoje o que temos é o famoso governo ao deus-dará”.

RICOS E POBRES A paisagem urbana expõe a precária distribuição de renda no Brasil: cresce população que vive abaixo da linha de pobreza (Crédito:Divulgação)
“Hoje o que temos é o famoso governo ao deus-dará” Paulo Rabello de Castro, economista (Crédito:Fernando Frazão/Agência Brasil)

Neste momento, muitos brasileiros pararam de procurar emprego e se tornaram indisponíveis para trabalhar por terem sido contaminados pelo coronavírus ou porque precisam cuidar de algum doente. De acordo com os últimos dados do IBGE, obtidos pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad Contínua), o desemprego atingiu 12,7 milhões de pessoas entre março e maio deste ano. No período, quando houve o agravamento da crise sanitária, 7,8 milhões de pessoas perderam o emprego. Só em maio, 1 milhão de brasileiros ficaram sem contrato de trabalho. A taxa de desocupação, que era de 11,6% no trimestre anterior, atingiu 12,9%. O maior problema, porém, é que a população que estava fora do mercado, sem trabalho ou procurando emprego, aumentou em 9 milhões de um trimestre para o outro e atingiu o recorde de 75 milhões de pessoas. Além disso, o número de desalentados, que desistiram de procurar trabalho porque não acreditam que conseguirão vaga, aumentou em 718 mil e atingiu 5,4 milhões de pessoas. Os analistas do mercado acreditam que a taxa de desemprego alcançará 15,5% em setembro.

Embora os efeitos definitivos da pandemia ainda não possam ser medidos, inclusive pelo impacto que a ajuda emergencial terá sobre a atividade econômica, neste momento tudo aponta para o crescimento da desigualdade. Além daqueles que recebem menos de US$ 3,20 por dia, há um contingente de 41,7 milhões de brasileiros vivendo no limite da pobreza, segundo estudo do Banco Mundial, que tem uma renda inferior a US$ 5,50 (R$ 30,00) por dia. Esse é um grupo que tem crescido consideravelmente nos últimos anos – 5,8 milhões de pessoas entraram nessa faixa –, em função da deterioração da economia e da concentração de renda nas mãos dos mais ricos. E que tende a aumentar ainda mais nos próximos tempos por causa da falta de estratégia do governo para rearticular o sistema produtivo.