Hino Nacional, o poema de Carlos Drummond de Andrade, começa com a declaração de que precisamos descobrir o Brasil, porque ele ainda está escondido detrás das florestas. Depois ele diz que precisamos educar e louvar e adorar o Brasil. Mas é tudo ironia, como convém a um poema de Drummond. Na última estrofe, o poeta descobre que, na verdade, o Brasil não nos quer: “Está farto de nós!” E poderia ser diferente?

Vejamos o dia de hoje.

O presidente Jair Bolsonaro amanheceu dizendo que, apesar de “um problema gravíssimo que enfrentamos desde o ano passado” (o que será? alguém sabe?), o país está dando certo. Mais do que isso, estamos dando exemplo. Segundo Bolsonaro, “somos um dos poucos países que estão na vanguarda em busca de soluções”.

Quase ao mesmo tempo, 65 senadores divulgaram um apelo à comunidade internacional. Segundo o documento, o Brasil se tornou o epicentro mundial da pandemia. A “sombra nefasta da morte” paira sobre milhões de cidadãos. Por isso, os senadores pedem ajuda estrangeira para obter vacinas. “Deixar que o povo brasileiro continue a morrer sem vacinas significa uma agressão a todas as tradições humanas”, afirmam eles. “É o oposto do que a civilização representa.”

Bolsonaro afirma que o país está dando exemplo. Os senadores, se eu bem entendi, não concordam. Eles pedem socorro ao mundo. Não é à toa que o Brasil está farto de nós. Aliás, o mundo também deve estar farto de nós.

Neste dia em que o nosso ridículo aparece aos olhos de todos, brilhante como o sol, creio que o Senado sai pior na foto do que Bolsonaro.

O presidente, todos já sabem, é incorrigível. Ele mente sem remorso e vê gente morrer sem remorso. Não vai mudar.

Mas do Senado, ao menos em tese, ainda era possível esperar alguma coisa. Por exemplo, que assumisse sua responsabilidade e usasse seus poderes para fazer com que o presidente deixasse de ser, ao lado do vírus, o maior agente da mortandade que “paira sobre milhões de cidadãos”.

O Senado é uma das instituições que podem confrontar Bolsonaro, seja por meio de uma CPI, seja por meio do impeachment. No entanto, comandada por Rodrigo Pacheco, uma das figuras mais pusilânimes e oportunistas da vida pública atual, a Casa mendiga vacinas lá fora, enquanto o presidente afirma alegremente, sem ser importunado, que o país está dando certo e que tudo vai bem.

Ah, mas na quarta-feira os chefes de todos os Poderes vão se reunir, a convite de Bolsonaro, para discutir medidas em conjunto contra a pandemia. Sério mesmo? Depois de 300 mil mortos e mentiras sem fim, Bolsonaro resolveu mexer um dedo. Se o Senado deposita esperanças num encontro como esse, renunciou não apenas à responsabilidade, mas também ao bom senso.

“Nenhum Brasil existe”, escreveu Drummond. “E acaso existirão os brasileiros?”