A insolvência do Estado se instala quando o tamanho da dívida pública se iguala e começa a ficar maior do que o Produto Interno Bruto (PIB). Nesse ponto, as contas entram em colapso, o governo não consegue mais cumprir suas obrigações e sua capacidade de investimento desaparece. A máquina governamental não tem mais como cobrir seus custos e o risco sistêmico do País, definido pelas agências de classificação, vai às alturas. No Brasil, previa-se que, com as reformas estruturais, essa situação de insolvência fosse adiada. Mas, por causa da necessidade de enfrentamento da pandemia, há uma explosão de gastos públicos e, ao mesmo tempo, no lado do PIB, uma previsão de queda vertiginosa por causa da paralisação econômica. Um estudo coordenado pelo economista Marcos Lisboa, presidente do Insper, revela que os gastos extraordinários por causa da pandemia de coronavírus deverão superar R$ 900 bilhões, o que elevará o déficit das contas públicas a R$ 1,2 trilhão no final do ano e a relação dívida-PIB a 100%. Já as últimas previsões para o PIB feitas por economistas consultados pelo Banco Central são igualmente catastróficas: queda de 5,12%

“O Brasil está ficando mais pobre, fragilizado economicamente, mais desequilibrado do ponto de vista fiscal e mais endividado” Mailson da Nóbrega, economista e ex-ministro (Crédito: Zanone Fraissat)

Pagamento da conta

“O Brasil está ficando mais pobre, fragilizado economicamente, mais desequilibrado do ponto de vista fiscal e mais endividado”, diz o economista e ex-ministro Mailson da Nóbrega. “Além disso, chegaremos numa relação dívida-PIB que pode chegar a 100%, enquanto esse índice, na média dos países emergentes, é de 50%”. Para Mailson, o cenário se torna ainda mais pessimista por causa da falta de coordenação do governo para pensar a conjuntura e elaborar um plano de retomada. Se nada for feito, segundo o ex-ministro, a fuga de capitais irá se intensificar, a classificação de risco de investimento do País se tornará altamente negativa e se instalará uma situação de dominância fiscal, quando o Banco Central perde capacidade de ação, a política monetária perde eficácia e a inflação volta. “Ainda não sabemos como pagaremos a conta deixada pela pandemia”, completa. Outro efeito inevitável da crise atual será o aumento do desemprego e da desigualdade social.

PREJUÍZOS Empresas como a Petrobrás registraram perdas históricas no primeiro trimestre (Crédito:Divulgação)

Não há qualquer perspectiva de reação econômica e verifica-se uma redução brutal na produção industrial e na prestação de serviços. Os pedidos de recuperação judicial e as falências começam a disparar. Os números já divulgados das empresas de capital aberto referentes ao primeiro trimestre deste ano revelam perdas expressivas. Mesmo considerando que os efeitos da pandemia só foram sentidos a partir de março, quatro grandes empresas brasileiras – Petrobras, Suzano, Azul e JBS, segundo a consultoria Economática, registraram prejuízos recordes no primeiro trimestre, que estão entre os maiores de suas histórias. A Petrobras, afetada pela queda dos preços do petróleo, teve um resultado negativo de R$ 48,5 bilhões entre janeiro e março. A indústria automobilística, um dos setores que puxam a economia, por sua vez, teve, em abril, seu pior volume de produção desde 1957. Apenas 1,8 mil carros foram fabricados, uma queda de 99,4% em relação ao mesmo período de 2019. “A crise é global, mas tudo indica que será pior no Brasil”, afirma o presidente da Associação dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Luiz Carlos Moraes. “A situação é crítica, dramática, e a nossa leitura é que 2020 será um ano horroroso”. No final de abril, as montadoras tinham um estoque de 237,3 mil veículos em seus pátios e concessionárias, correspondente a quatro meses de produção. Isso indica que a retomada das linhas de montagem, quando acontecer, será lenta e gradual.

Antes da pandemia, o rombo previsto nas contas públicas era de R$ 115 bilhões, segundo o estudo “Impacto Fiscal da Pandemia: Andando sobre Gelo Fino”, coordenado por Marcos Lisboa. O déficit agora estimado de R$ 1,2 trilhão representa um aumento de dez vezes em relação às projeções anteriores. Se nada for feito, a insolvência será inevitável e, junto com ela, virá o encolhimento do mercado e crescimento da pobreza. O Brasil, neste momento, é uma nau à deriva que está indo firmemente em direção a um iceberg.