CONTROLE Bolsonaro precisou fazer cinco testes de Covid antes de encontrar Putin (Crédito:Alan Santos)

A viagem de Jair Bolsonaro para a Rússia mostrou mais uma vez que o governo brasileiro não tem rumo diplomático e que o presidente só encontra formas de ganhar protagonismo de maneira artificiosa e fazendo piruetas. Sem atenção da imprensa estrangeira e tentando parecer um estadista, Bolsonaro teve um encontro com o presidente Vladimir Putin quarta-feira, 16, no Palácio do Kremlin, em Moscou,em meio a um clima de tensão crescente por causa da possibilidade de guerra na Ucrânia. Só conseguiu reforçar a sua pouca importância global e — num momento em que o Brasil tem incomodado a Europa e os Estados Unidos por causa de sua irresponsabilidade ambiental e de suas ameaças aos direitos humanos –—, provocar ainda mais o governo americano e os outros países membros da OTAN. A aproximação com Putin pouco tem a trazer para as relações externas e o que deve ficar como balanço da viagem é o desgaste na diplomacia e a prova cabal de que Bolsonaro está perdido com as questões eleitorais que tem pela frente, além de, talvez, alguma solução de espionagem que o filho 02, o vereador Carlos (Republicanos-RJ), acompanhante do pai em Moscou, tenha trazido na bagagem.

Para conseguir entrar na Rússia e encontrar com Putin, Bolsonaro foi obrigado a fazer algumas coisas que não tolera, numa verdadeira prova de fogo para seu negacionismo. A primeira delas foi passar por cinco testes RT-PCR antes de se reunir com o líder russo, algo que não foi aceito por nenhum chefe de Estado, como Emmanuel Macron, da França, e Olaf Scholz, da Alemanha, que visitaram a Rússia recentemente e ficaram numa mesa ovalada gigante para conversar com Putin. Teve também que ficar confinado no hotel por um noite para evitar o risco de contagio pela Covid-19 e usar máscaras em várias situações, o que nunca faz no Brasil. Além disso, numa ironia do destino que lhe obrigou a uma inaudita rendição aos comunistas, Bolsonaro cumpriu com humildade todo o ritual reservado para os governantes que visitam o país. Com a mão no peito e a fisionomia solene, o brasileiro colocou flores no Túmulo do Soldado Desconhecido, monumento em homenagem aos combatentes soviéticos mortos na Segunda Guerra Mundial. Foi uma obrigação protocolar que o fez ficar de frente com aquilo que mais odeia, o comunismo. Mas ele cumpriu as orientações de maneira resignada e obedecendo regras de conduta, num comportamento atípico para quem costuma ignorar normas sanitárias e rituais políticos elementares.

Laços conservadores

Depois de se reunir com Putin por duas horas, Bolsonaro afirmou que o Brasil é “solidário” à Rússia e “aos países que se empenham pela paz”, sem fazer qualquer menção pública ao conflito com a Ucrânia. Disse também que os dois países compartilham “valores comuns, como a crença em Deus e a defesa da família” e defendem “a soberania dos estados”, mas não tocou na questão da guerra em nenhum momento. Em vez disso, elogiou o presidente russo por apoiar a soberania do Brasil sobre a Amazônia em fóruns internacionais. Putin e Bolsonaro têm característica em comum, além na notável propensão autoritária. Como Bolsonaro, Putin é um ultraconservador, defensor da família tradicional aliado da Igreja Ortodoxa e já disse que o cristianismo é a raiz da identidade russa. No pacote de reformas constitucionais propostas por ele no ano passado há, por exemplo, uma cláusula que limita o casamento à união entre homem e mulher e uma determinação para a inclusão da palavra Deus no preâmbulo da Constituição. Como Bolsonaro, ele também tenta atrair eleitores conservadores para seu projeto político e busca manter sua influência no governo, já pensando em como se manter no Poder a partir de 2024.

INTRUSO Jair e Carlos Bolsonaro participam de reunião com empresários russos: Brasil quer fertilizantes (Crédito:Divulgação)

Embora tenha envolvido conversas sobre armamentos, sistemas de segurança e energia, o principal objetivo econômico da viagem foi garantir o fornecimento de fertilizantes para o Brasil. Do encontro com Putin, Bolsonaro espera um aquecimento na relação comercial, que não é das mais importantes em termos de receita, representando cerca de 5% do que é exportado para os Estados Unidos, por exemplo. Além disso, o Brasil tem um importante déficit na balança comercial com a Rússia. No ano passado, Importou US$ 5,7 bilhões em 2021 e exportou US$ 1,59 bilhão, ficando com um saldo negativo de US$ 4,11 bilhões. No balanço geral, a Rússia garante apenas 0,6% dos embarques brasileiros para o mercado externo e investe pouco no Brasil, se comparada a outros países europeus. São os fertilizantes, à base de potássio, fósforo e nitrogênio, que representam cerca de 60% das importações brasileiras da Rússia, que mobilizam as atenções imediatas e impuseram a viagem. Bolsonaro foi para Rússia a serviço do agronegócio nacional. Para se garantir como uma das maiores potências agrícolas do planeta, o País precisa do insumo e importa 85% do que consome.

A possibilidade de uma guerra, que ainda não foi contornada, preocupa os fazendeiros brasileiros porque pode levar a uma interrupção do fornecimento de fertilizantes, o que seria altamente desfavorável para a economia nacional. Para os russos a aproximação com o Brasil é uma boa chance de ganhar mais dinheiro – sua vantagem no comércio bilateral só aumenta – e provocar os americanos, que os acusam de planejar uma invasão na Ucrânia. Uma guerra entre russos e ucranianos poderia causar uma elevação imediata de preços, além de interromper as cadeias logísticas no Leste Europeu. Bolsonaro foi pedir algum tipo de garantia nas entregas e um eventual controle de preços, ainda que haja uma guerra. O assunto foi um dos temas centrais do encontro do Putin e nas reuniões do presidente brasileiro com empresários russos. Apesar de falar em vários projetos, porém, de concreto, a única coisa que Bolsonaro traz da Rússia é um protocolo de emenda a um acordo com o objetivo de atualizar as definições de documentos reservados, secretos e ultrassecretos, de acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI), publicada em 2012, o que é mera burocracia.

Terceira guerra

No dia 15, ao entrar no espaço aéreo russo, Bolsonaro publicou no Twitter a informação de a Rússia estava anunciando a retirada de tropas da fronteira com a Ucrânia, com se fosse uma coincidência divina. A postagem rendeu um monte de memes, a partir da iniciativa de aliados como o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que publicou várias tolices em suas mídias sociais. Disse, por exemplo, que o brasileiro tinha evitado a Terceira Guerra Mundial, usando o logotipo da CNN, como se fosse uma notícia, e que Bolsonaro tinha ganhado o Prêmio Nobel da Paz 2022, por seu papel na crise entre Rússia e Ucrânia, dessa vez simulando uma capa da revista Time. Embora tenham sido rapidamente desmentidas, as manchetes, acompanhadas da hashtag #BolsonaroEvitouAGuerra, causaram polêmica e garantiram uma ampla audiência para os militantes digitais bolsonaristas. A hashtag teve mais de 140 mil postagens no Twitter em um período de oito horas. O próprio Bolsonaro fomentou esse delírio. “Mantivemos nossa agenda e por coincidência ou não parte das tropas deixaram a fronteira”, disse. A tensão na fronteira entre os dois países, porém, continua e, quinta-feira, 17, Putin expulsou do país o vice-embaixador dos Estados Unidos em Moscou, Bartle Gorman.

O Palácio do Planalto não divulgou os nomes de todos os membros da comitiva que esteve em Moscou, mas entre eles estavam o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, o da Defesa, Walter Braga Netto, o da Secretária-Geral da Presidência, Luiz Eduardo Ramos, o do Gabinete de Segurança Institucional, Augusto Heleno, o das Minas e Energia, Bento Alburquerque, além da mulher Michelle e do filho 02, o vereador Carlos Bolsonaro (RJ), que deveria estar participando das sessões na Câmara,que viajou para a Rússia com o pai, já como assessor de marketing da campanha. Carlos aproveitou para passear em Moscou sem usar máscara e também participou das reuniões com empresários. “Ele se comporta, com todo respeito aos meus ajudantes de ontem, melhor que meus ajudantes de ordem. Ele dorme no meu quarto, não tem qualquer despesa e trabalhou comigo até de noite com nossas redes sociais prestando informações a todos no Brasil”, afirmou.

Em um esforço para dar um caráter simbólico à sua viagem, Bolsonaro disse, numa dessas postagens de no Twitter, que, 146 anos depois de Dom Pedro II, primeiro estadista brasileiro a visitar a Rússia, tinha a satisfação de realizar o mesmo percurso. Não houve, porém, nada de especial e mágico na sua viagem. Vários presidentes brasileiros já estiveram no país e se reuniram com o mesmo Putin, incluindo Lula, Dilma Rousseff e Michel Temer. Depois de deixar a Rússia, Bolsonaro viajou para a Hungria, onde se encontrou com o primeiro-ministro, Viktor Órban, conhecida liderança de extrema-direita, e mais uma vez disparou sua ladainha sobre Deus e a família. Chamou Órban de irmão e enumerou Deus, Pátria e família como os grandes valores de ambos. Na sua peregrinação pelo Leste europeu, o presidente mais uma vez demonstrou que só tem um único discurso cadavérico e ameaça transformar o Brasil num pária internacional.

Um sujeito esquisito

Stephane L’hostis

O personagem de ficção criado pelo ator e humorista Sasha Baron Cohen ficou conhecido por seu humor totalmente incorreto e pelo jeito estabanado para chegar nos lugares. Borat é um jornalista do Cazaquistão que não leva a sua profissão nada a sério e apenas se coloca na posição do ridículo em situações humilhantes para si e todos a sua volta. Com declarações machistas e homofóbicas, não esconde seu ódio contra judeus ou minorias. Borat surgiu para escancar pessoas que se comportam como ele e não para ser imitado. Em seu segundo filme, Borat diz que ex-presidente americano Donald Trump ficou amigo de “grandes lideres mundiais” como o presidente Jair Bolsonaro e do ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un. Deboche é pouco.

(Thaísa Szabatura)