Um país se mede pela vontade de seus homens e mulheres, pela capacidade coletiva em superar os momentos adversos e pela qualidade dos seus líderes. A identidade de uma nação se calcula multiplicando as semelhanças que unem pelas diferenças que não separam. E essa é uma conta cada vez mais rara de fechar nos nossos tempos. Hoje os políticos se acham com facilidade gritando no WhatsApp, mas fica difícil achar algum pensando no seu povo. Hoje os políticos preferem a confusão do ruído à beleza da calma. A facilidade do ódio à complexidade do amor, o ferro da força ao cristal do equilibro; preferem a vaidade de um momento à modéstia de toda a história.

A eleição para presidente da República de Portugal foi um hino à liberdade

Poderíamos dizer que nunca como hoje os políticos faram tão parecidos com as pessoas da rua, que nunca estiveram tão longe de ser estadistas; mas nessa ilusão de proximidade digital, nunca estiveram tão longe de ser úteis ao povo. Nunca falo aqui desse país longínquo e pequeno de onde eu venho. Mas esta semana foi bom ser português. E o mais estranho é que foi por causa de um político. Portugal vive hoje o período mais terrível da pandemia, são os dias mais difíceis que o povo luso enfrentou em todo o século XXI, mas esta semana mesmo, algo de maravilhoso aconteceu. Mesmo quando, em média, morrem mais de 200 pessoas por dia, os (apenas) 10 milhões de portugueses que hoje vivem em Portugal deram uma lição de civilização ao mundo. Mesmo quando o panorama é aterrador — e os hospitais já perderam a capacidade de responder à demanda, e as ambulâncias se amontoam na entrada da urgência, e os cuidados intensivos se esgotaram e pessoas morrem sem cuidados — a democracia se mostrou saudável. Mesmo estando às escolas vazias, o comércio, os bancos, transportes e serviços públicos totalmente encerrados ou cumprindo serviços mínimos, a eleição para presidente da República de Portugal foi um hino à liberdade. No meio do horror, os portugas se agilizaram para ir votar e escolher o seu presidente. Em muitos casos a abstenção chegou mesmo a diminuir. Marcelo Rebelo de Sousa, o (de novo) presidente português, conseguiu, no meio do medo e do temor, mobilizar seu povo a votar, impedindo os radicais de avançaram mais. O presidente dos portugueses mostrou a todos durante uma campanha eleitoral — onde andou sempre sozinho, dirigindo seu próprio carro — que os afetos são sempre mais poderosos que o ódio e que a partilha tem muito mais força que o egoísmo. Seu recato contido é um sinal grave e sereno que todos une no combate a este inimigo comum. Este inimigo invisível que não vive em nossas diferenças, mas se alimenta delas. Mais importante ainda, o bom presidente consegue fazer o seu povo acreditar nisso.