24/08/2020 - 19:42
Não foi surpresa nenhuma a reação animalesca do presidente da República ao jornalista que lhe perguntou, neste fim de semana, por que Fabrício Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da primeira dama Michelle Bolsonaro. Na falta de explicação Jair chamou o repórter de “safado” e disse que gostaria de “encher sua boca de porrada”. Alguém acreditou mesmo na história do presidente paz-e-amor?
A novidade da história está na repercussão mais amena do episódio no meio político. As entidades de imprensa manifestaram seu repúdio e a oposição, é claro, se mostrou indignada. Mas integrantes do centro e do Centrão, que meses atrás estavam sempre prontos a denunciar os arroubos de Bolsonaro, desta vez ou ficaram em silêncio, ou puseram panos quentes na história, ou saíram em defesa do presidente em nome da “governabilidade”.
Numa entrevista na manhã desta segunda, o novo líder do governo na Câmara, o deputado federal Ricardo Barros (PP-PR), afirmou que cobrar explicações do presidente sobre os cheques de Queiroz não vem ao caso. “Não é isso que interessa para o brasileiro”, disse ele. “Não é isso que interessa para a população, o que interessa para a população é o governo ir bem. É o que as pessoas querem, como ele está fazendo, o presidente Bolsonaro está cuidando das pessoas.”
Também em entrevista, o presidente da Câmara Rodrigo Maia (DEM-RJ) foi crítico, mas bem menos contundente que em ocasiões anteriores. “Espero que o episódio de ontem não se repita. Não é bom, não ajuda e gera tensionamento. Uma frase com esse impacto vindo da figura mais importante da política brasileira gera impacto negativo internamente e externamente. Os últimos meses foram muito positivos e seria bom que a gente seguisse esse mesmo caminho.” Ele disse que não lhe cabia comentar sobre os depósitos na conta da primeira dama.
Não acho que as duas respostas sejam idênticas. A de Barros é cínica e fisiológica. Agora que Bolsonaro se rendeu ao Centrão, que tem no partido do deputado um dos seus pilares, os pecados do presidente se tornaram negligenciáveis. Maia continua disposto a bloquear as iniciativas mais disparatadas do governo no Câmara, mas parece acreditar que Bolsonaro é domesticável. Nenhuma das duas posições é aceitável.
Bolsonaro já deu todas as demonstrações necessárias de que romperia com a ordem democrática se visse a oportunidade para tanto. Por isso é um erro mostrar indulgência quando ele dá vazão aos seus impulsos autoritários, como fez no domingo. Enquanto Maia e Barros concediam suas entrevistas, aliás, ele agredia mais uma vez os jornalistas chamando-os de “bundões” em um evento, ao mesmo tempo em que louvava os poderes imaginários da cloroquina. O presidente não é domesticável. Não há governabilidade que justifique passar pano para ele.
PS: Por que Fabrício Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da primeira dama Michelle Bolsonaro?