Nesta quinta-feira, Jair Bolsonaro deve se reunir com representantes dos caminhoneiros que o apoiam, e que desde ontem bloqueiam estradas em vários Estados, além de fazer piquete em Brasília, tentando ganhar acesso aos prédios do Congresso e do STF.

Será um encontro curioso. Bolsonaro vai pedir que eles interrompam a mobilização, para não causar mais estragos na economia. Bloqueio de estradas provoca desabastecimento, perda de produtos e, consequentemente, aumento nos preços. Pressiona a inflação, que já vem crescendo e não precisa de outro empurrãozinho.

Os bolsonaristas de boleia dirão que foi o próprio presidente que os convocou. Que eles atenderam ao seu chamado golpista, imaginando que havia chegado o momento de prender os ministros do Supremo, destituir os parlamentares e enquadrar os 70% ou 80% da população formados por maricas que se preocupam com o coronavírus.

Suponho que alguém dirá alguma coisa como: “Vamos lá, Mito, estamos do seu lado, tome coragem e derrube agora essa porcaria toda”.

Bolsonaro terá de explicar que não dá pé. Seu dilema será fazer isso sem que os caminhoneiros saiam totalmente decepcionados, achando que o capitão também é um frouxo em quem eles ingenuamente depositaram suas esperanças.

Se Bolsonaro não conseguir convencer os caminhoneiros de que é homem com H, como diria Ney Matogrosso, e que os planos de ocupar o Estado ainda vão se realizar, perderá mais um pedaço da sua minguante base de apoio.

 

Para que isso não aconteça, terá de fazer com que os caminhoneiros raciocinem taticamente. A hora ainda vai chegar… Mas, se não agora, qual será o momento para dar o bote? Por tudo que vem acontecendo nos últimos meses, e pelo fato de Bolsonaro haver retomado o assunto das fraudes eleitorais no 7 de Setembro, a derrota eleitoral de 2022 (que já está contratada) é a mais provável senha para um “putsch”. Ou, ao menos, para uma boa confusão.

Se você acha que um jornalista não deveria agir desse jeito, imaginando coisas que ele não presenciou e nem vai presenciar, tenho duas coisas a dizer.

Primeiro, só tomei a liberdade de especular sobre o encontro entre Bolsonaro e os caminhoneiros porque há fartos elementos na realidade que me permitem fazer isso.

Ao contrário do que aconteceu 2018, quando milhares de caminhoneiros pararam todo o país com uma pauta da categoria, a melhoria do valor dos fretes, desta vez a pauta é puramente política: apoio à tomada do poder por Bolsonaro. O presidente chamou e os bolsonaristas de boleia, que hoje interrompem o trânsito em vários lugares, compareceram.

Ponto dois: Hoje de manhã, o presidente mandou um áudio aos manifestantes, pedindo que eles retrocedam. Muitos reagiram com enorme frustração. Disseram que foram traídos. Xingaram (muito) Bolsonaro.

Finalmente, quanto aos indícios de que o bolsonarismo não pretende aceitar de bom grado um resultado desfavorável nas eleições do ano que vem, eles estão por toda parte. Não é de modo algum inverossímil pensar que os caminhoneiros que simpatizam com a extrema-direita terão um papel importante a desempenhar nesse esperneio.

Minha segunda observação é que, independentemente do que aconteça no encontro de hoje, a mera paralisação das estradas constitui mais uma prova, entre inúmeras outras, de que Bolsonaro é um agente do caos, um fator permanente de instabilidade, alguém que só contribui para agravar, e não para resolver, os problemas reais do país – aqueles que infernizam o cotidiano de um povo cada vez mais pobre e com menos perspectivas.

E agora volto minhas baterias para Arthur Lira, o cínico presidente da Câmara dos Deputados. Em seu pronunciamento de ontem, uma resposta ao 7 de Setembro bolsonarista, ele insistiu que a instituição que ele comanda deseja ser um espaço de diálogo e conciliação. O problema é que ele sabe que essas palavras são vazias, pois não há conciliação possível com Bolsonaro na presidência.

Lira também bateu no peito ontem para dizer que não admitirá novas contestações do sistema eleitoral. Ele disse que as votações ocorrerão em 3 de outubro do ano que vem, em urnas eletrônicas, e que nada pode interferir nisso.

Mais uma vez, são palavras ocas. Com ou sem urna eletrônica os planos bolsonaristas não mudam. Eles consistem em rejeitar com o máximo de confusão possível uma derrota. Lira está ciente disso, assim como do fato, agora inegável, que Bolsonaro tem caminhoneiros golpistas a seu lado, dispostos a tudo se necessário.

Assim, a Câmara dos Deputados de Arthur Lira não é o espaço virtuoso que ele quis apresentar. É um espaço para levar adiante os projetos que interessam a Arthur Lira e aos seus aliados do centrão. Embora tenha falado ontem do preço da gasolina e da inflação dos alimentos, sem mencionar nenhuma vez a reforma eleitoral como uma prioridade, é a reforma eleitoral, que favorece os caciques partidários, que está sendo votada hoje, em regime de urgência

Artur Lira quer votar projetos como essa reforma eleitoral picareta, e quer também tirar o máximo proveito das verbas que seu grupo controla na Câmara e dos espaços que seu grupo conquistou na máquina do governo. Por isso, nada que Bolsonaro faça o levará a a dar início a um impeachment – iniciativa que atrapalharia  a agenda pessoal.

Lira deixa Bolsonaro conflagrar o país. Lira dá tempo a Bolsonaro para que ele articule a sua contestação das eleições no ano que vem. É preciso lembrar disso, e cobrar em algum momento do cínico presidente da Câmara responsabilidade por suas escolhas.