Agora começou de fato e de direito o jogo eleitoral. As campanhas para conquistar a preferência dos brasileiros ganharam as ruas. E vale de tudo: da fé contrária ao “demônio” – sempre, estrategicamente, colocado no outro extremo – até as habituais fake news, que infestam ainda mais as discussões nesses tempos inglórios, quando candidatos exibem-se mais mascarados que nunca. Para além do populismo rasteiro dos dois postulantes que estão na dianteira da corrida, Lula e Bolsonaro, a religiosidade distorcida em mensagens e ideias virou a arma da moda. Também pudera! Tendo, lado a lado no ringue, dois pretensos salvadores da pátria, não poderia ser diferente. No canto esquerdo, aquele que se acha mais famoso que Jesus Cristo, o demiurgo de Garanhuns, o sindicalista de carteirinha – de batente nunca foi – protetor dos pobres e oprimidos. No direito, o “mito” Messias, o caboclo capitão do baixo clero, totalitário por convicção, na sua ode delirante de combater um comunismo que jamais deitou raízes por essas paragens. Verdadeiros Dom Quixotes contra os moinhos, eles travam aquela que acreditam ser uma guerra santa. Provavelmente não irão expiar os seus pecados na hora do Juízo Final. Dois espectros dos absurdos nesses tempos pouco edificantes da política brasileira. Mas é o que temos para agora. O mandatário Jair, para ampliar a sua base de devotos, numa seita que parece exigir adoração e fé cega na palavra desse redentor, faz acenos momentâneos para os católicos, que desconfiam das pregações oportunistas. Já o adversário Lula recorre a conceitos mais elaborados para catequizar a massa ignara, taxando o opositor como um “possuído” pelo belzebu. Quem está familiarizado com as encíclicas religiosas sabe muito bem do perigo de invocar o coisa ruim. Mas eles não temem, senão a própria sorte de uma derrota fragorosa nas urnas, e assim haja perjúrios e blasfêmias. Nenhum deles, nem Lula, muito menos Bolsonaro, é, decerto, um asmodeu menor na contenda. Possuem, ambos, pecados escabrosos e inomináveis, capazes de arrepiar os cabelos até dos devotos menos esclarecidos. E como lobos na pele de cordeiros saem atrás dos incautos beatos e carolas para seus rebanhos. Autênticos fariseus do templo! O sincretismo religioso foi jogado na fogueira das vaidades. Deturparam, cruelmente, valores e crenças em todas as direções. A primeira-dama Michelle Bolsonaro, entoando os preconceitos atávicos do marido, chegou a rogar praga ao candomblé, iniciando assim uma temporada de perseguição a cultos, o que atenta, inclusive, contra uma cláusula pétrea da Constituição. Na linha que adotou, deixa a entender que para evangelizar novos adeptos seria necessário condenar os que professam ao abrigo de demais santuários, terreiros, sinagogas, catedrais e basílicas. Nada mais equivocado. O Brasil, berço da tolerância aos diversos credos, não aceita tamanha afronta. O ecumenismo está na base de nossa sociedade. Michelle joga com o medo do apocalipse – e esse seria fomentado pela corrente adversária, no seu modo de ver –, enquanto promete a remissão dos “errantes” e dos pecadores de espírito, no caso aqueles que não perceberam no marido o poder da salvação. Angariar votos de última hora entre neoconvertidos pode garantir mais quatro anos de privilégios presidenciais à família, missão que almeja cumprir a qualquer custo, nem que seja de joelhos nas seções do TSE ou dançando em transe, como já demonstrou quando o escolhido por ela alcançou o STF. Na toada que vão os atuais inquilinos do Planalto, a ideia de Estado laico foi para o espaço. Bolsonaro colocou no Supremo alguém “terrivelmente evangélico”, contrariando os ditames legais, e distribuiu lingotes de ouro e verbas, numa forma de dízimo, do Ministério da Educação para conquistar a fidelidade dos pastores. Michelle, por sua vez, seguiu contabilizando o potencial de milhões de frequentadores da sua igreja como meros discípulos para a vitória da purgação no pináculo do poder brasiliense. O contingente de católicos, evangélicos, umbandistas, espíritas e outros não é nada desprezível para os intentos deletérios dessa turma. Provavelmente, por isso mesmo, os dois contendores que estão à frente deixaram de lado propostas de gestão e as esperadas plataformas de governo para tocarem fundo na alma e emoção religiosa dos seguidores. Querem doutriná-los pela homilia da lorota.