A historiadora francesa Emmanuelle Loyer teve dois golpes de sorte. O primeiro se deu em 2005 ao se encontrar com o antropólogo belga radicado na França Claude Lévi-Strauss (1908-2009) para discutir uma pesquisa. Foi bem recebida. “Ele era um homem cortês e gentil”, afirma Loyer, em excursão pelo Brasil para o lançamento da biografia “Lévi-Strauss”, publicada em 2015 na França e lançada agora no Brasil pelas edições Sesc. “Apesar de tímido, gostava de soltar ironias.” O segundo foi ser a primeira pesquisadora a ter acesso aos arquivos pessoais de Lévi-Strauss. Ela obteve a permissão para abrir as 261 caixas de papelão doadas por Lévi-Strauss à Biblioteca Nacional da França em 2007. “Tudo isso me permitiu revelar a face oculta de um sábio solitário”, diz.

Em 784 páginas repletas de imagens, ela desvenda os mistérios mais bem guardados por Lévi-Strauss: a infância em uma tradicional família de rabinos, a vida privada discreta que se misturava à acadêmica, os quatro anos, entre 1935-1939, em que ministrou aulas na Universidade de São Paulo e travou contato com vários povos da selva — bororos, nambiquaras, tupis —, experiência que lhe permitiu modernizar a antropologia estrutural e lançar a moda do estruturalismo nos anos 1960. Com o livro, Loyer divulga o material mais cobiçado pelos estudiosos: retratos de família, filmes e fotos que ele tirou da vida diária das aldeias, anotações, desenhos e transcrições musicais.

“Não escrevi uma história de ideias, e sim a biografia de um homem que intensificou suas paixões: o conhecimento, a família, o ensino e os povos indígenas.”

Entre outros episódios, Loyer conta que Lévi-Strauss se frustrou por não ter levado adiante as expedições pelo Brasil em busca da imaginação indígena, por falta de apoio devido tanto ao desinteresse das instituições do Brasil como à perseguição dos judeus na França. Em 1985, em viagem ao Brasil ao lado do presidente François Mitterand, ele foi convidado a revisitar aldeias do Mato Grosso que havia pesquisado na juventude. Mas o avião enfrentou uma tempestade, não pôde aterrissar e a comitiva teve de voltar a São Paulo. “Ele ficou chateado”, afirma Loyer.

“Mas disse que tinha adorado voltar a ver o céu do Brasil carregado de nuvens.” Obviamente, foi uma forma de atenuar a decepção.

“Ele intensificou suas paixões: o conhecimento, a família, o ensino e os indígenas”
Emmanuelle Loyer, historiadora (Crédito:Divulgação)

Sábio de gabinete

“Lévi-Strauss odiava avião”, afirma Loyer. “Por isso, viajou muito pouco: depois do Brasil, viveu o exílio nos Estados Unidos e foi algumas vezes ao Japão, porque amava a cultura de lá.” Ao contrário do que se possa pensar, ele não foi um etnógrafo de campo. Permaneceu a maior parte do tempo pesquisando em casa: em seu apartamento no luxuoso 16º Distrito de Paris, na casa próxima à avenida Paulista, e no grande ateliê com teto envidraçado no bairro boêmio do Village, em Nova York, onde viveu o exílio entre 1941 e 1947. Os saltos de sua carreira foram a expedição através dos territórios indígenas do Brasil e o encontro em 1942 em Nova York com o linguista russo Roman Jakobson, um dos fundadores da teoria estrutural da linguagem. A pesquisa de campo no Brasil lhe forneceu a base para elaborar a teoria das trocas simbólicas indígenas. Ele adaptava assim o método do estudo da linguagem à cultura aparentemente primitiva, pois considerava o pensamento selvagem tão ou mais complexo que o civilizado.

O legado de Lévi-Strauss, segundo a biógrafa, não é apenas a fundação de um campo de estudos: o estruturalismo, que saiu de moda entre os anos 1980 e 1990 e voltou a ser levado a sério no século 21. Antes de tudo ele escreveu obras hoje reconhecidas pelo estilo conciso e simples. “Ele é um modelo para quem quer praticar ciência ou literatura sem enfeites”, afirma.