Antes de ser moda entre os empresários e os aspirantes a profissões de sucesso acordar às cinco horas da manhã para tornar cada dia mais produtivo, Lázaro de Mello Brandão chegava pontualmente às sete na sede do Bradesco. Tal compromisso quase que religioso não se dava nos Jardins ou em bairros da alta sociedade, e sim em Osasco, modesta cidade da região metropolitana de São Paulo, até mesmo quando já era presidente executivo do banco.

Brandão nasceu em Itápolis em 1926, em uma família de classe média. Ingressou como escriturário aos dezesseis anos na Casa Bancária Almeida e Cia, em Marília, que futuramente daria origem ao Banco Brasileiro de Descontos S. A., sigla para Bradesco. Pragmático, seu plano era trabalhar enquanto estudava para o concurso do Banco do Brasil. Ele fazia parte do Bradesco antes mesmo de Amador Aguiar, seu mestre, que fundou o banco em 1943.

Legítimo self-made man, Brandão construiu a fortuna
aos poucos,
começou como escriturário e chegou
à presidência do banco

A ascensão foi rápida. Em dois anos, acabou promovido a subchefe, acompanhando a mudança para a rua Álvares Penteado, coração do capital financeiro da cidade de São Paulo. Em 1953, o lar definitivo: a Cidade de Deus em Osasco. Subiu degrau a degrau a hierarquia da instituição financeira, passando pela direção das agências e pela vice-presidência até chegar ao cargo de presidente executivo em 1981, recebendo o bastão de Aguiar. Entre os funcionários, era conhecido popularmente como “Seu Brandão”. Em 1990, acumulou a presidência do conselho administrativo. As funções foram exercidas, respectivamente, até 1999 e 2017, quando, nas próprias palavras, superou a preocupação de ”entrar em um vazio” em sua aposentadoria, aos 91 anos. Brandão morreu na quarta-feira 16 de outubro. Ele estava se recuperando de uma cirurgia no Hospital Edmundo Vasconcelos, em São Paulo. Deixa a mulher, dois filhos e um neto.

História de sucesso

O Bradesco, em nota assinada por Luiz Carlos Trabuco, seu sucessor na presidência do conselho administrativo, lamentou a morte de quem chamou de “homem de visão de futuro e de inesgotável capacidade de trabalho”, afirmando que impactou todos com quem conviveu em seus mais de setenta anos na instituição. “Perde o sistema financeiro um dos mais ilustres e tradicionais representantes, que sempre soube guiar-nos pelos elevados ideias de honestidade, coerência e dedicação”.

As homenagens ao banqueiro vieram também de seus concorrentes. “Lázaro Brandão foi personagem-chave não apenas na construção de um dos maiores bancos do mundo, mas no desenvolvimento econômico do País”, reconheceu Candido Bracher, presidente do Itaú Unibanco. “Deixo nosso agradecimento por ter liderado a indústria durante muito tempo e deixado um legado de valor inestimável”, saudou Sérgio Rial, presidente do Santander Brasil.

A história do Bradesco só pode ser contada conjugada a de Brandão. Se hoje o banco cresce anualmente, registrando lucros de mais de R$ 6 bilhões no segundo trimestre de 2019 no balanço mais recente divulgado, muito se deve a liderança dele. O Bradesco foi o maior banco privado do Brasil por quase cinquenta anos, entre 1959 e 2009, quando os bancos Itaú e Unibanco se uniram. Apesar do poderio financeiro que liderou — na década de 1990, chegou a ser o maior em ativos no País, até maior que o Banco do Brasil na época — era discreto, marcando presença apenas em eventos públicos essencialmente oficiais, sempre com a cabeça nos negócios e evitando badalações.

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Num período em que os brasileiros, principalmente figuras públicas, falam tanto em empreendedorismo, a trajetória de Lázaro Brandão merece ser contada e enaltecida.

Trabalho até o fim

Um legítimo self-made man, construiu a fortuna aos poucos, com trabalho, guiando um banco que começou no meio-oeste paulista até os mais altos patamares financeiros. Em maio deste ano, o Bradesco foi eleito “a marca mais valiosa do Brasil”, em prêmio concedido pela Kantar em parceria com a ISTOÉ Dinheiro. Nada mal, sobretudo para uma empresa que começou como uma pequena instituição financeira que começou em Marília. Nada mal, também, para o homem que iniciou sua carreira nesta pequena casa bancária, quase sem pretensão, e que a entregou como um verdadeiro gigante e admirado banco. Foi membro do conselho até seus últimos dias, ocupando a mesma sala dos tempos em que tomava todas as decisões.


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