Na semana passada, um documento vazado à imprensa demonstrou mais uma vez a intransigência do presidente americano Donald Trump. Elaborado por funcionários da administração federal, o estudo concluiu que os refugiados trouxeram US$ 63 bilhões a mais para a economia americana na última década do que consumiram em benefícios sociais. O dado contraria um levantamento anterior do governo, que indicava que eles possuem um custo mais alto em relação aos cidadãos comuns (pesquisa esta feita de forma mais simplista, por desconsiderar os lucros fiscais gerados por esses imigrantes). Em vez liberar as novas estatísticas e discuti-las à luz da sociedade, a cúpula política de Trump preferiu esconder o relatório. Tudo às vésperas de uma decisão sobre o número de refugiados que será permitido entrar nos EUA, que o presidente quer diminuir.

Questionada, a gestão desqualificou os achados, dizendo que são “ilegítimos” e “politicamente motivados” – sem, no entanto, debater os cálculos em si. O escândalo, mais um para a coleção de Trump, é um sinal claro de que o mandatário não respeita as diferenças. Uma onda que, infelizmente, não está restrita aos EUA e vem crescendo rapidamente ao redor do mundo.

A chance de a crise com a Coreia do Norte descambar para guerra aberta aumenta com um destemperado à frente da Casa Branca nos EUA

Em pouco tempo, o aumento de lideranças como a de Trump pode trazer prejuízos inestimáveis. Em seu primeiro discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, o presidente americano aumentou o tom de seu discurso belicista, com uma fala no evento mais agressiva até mesmo do que a de seus predecessores conservadores, George Bush pai e filho. “Os EUA têm grande força e paciência”, afirmou o republicano. “Mas, se for forçado a defender a si mesmo e seus aliados, nós não teremos nenhuma escolha a não ser destruir a Coreia do Norte completamente.” É verdade que o regime de Pyongyang testa constantemente os limites da diplomacia, com ensaios de mísseis com capacidade nuclear que fazem tremer a comunidade internacional. Porém, é quase consenso de que a chance de a crise descambar para um conflito armado aumenta muito com alguém como Trump no poder.

O populista Trump controla o país mais poderoso do mundo. A radical Le Pen  é liderança forte na França

O movimento pode ser de direita ou de esquerda (na Venezuela de Nicolás Maduro os inimigos não são “imigrantes terroristas” e sim “escravos do império americano”), mas o que cresce e assusta nos dias de hoje é o avanço dos populistas conservadores. Além de Trump, que comanda o país mais poderoso do mundo, mandatários como ele vão entrar na Bundestag alemã pela primeira vez na história. Apesar da derrota para Emmanuel Macron, a radical Marine Le Pen continua a ser uma das principais lideranças na França. O primeiro-ministro populista da Hungria, Victor Orban, já dominou parte do Judiciário, discrimina imigrantes e minorias e restringe liberdades de opinião. O mesmo acontece, em menores proporções, na Polônia do conservador Jarosław Kaczyński. A extrema-direita aparece com destaque cada vez maior na Escandinávia, na Suíça e, claro, no Brasil. Certas características da atualidade, como as bolhas das redes sociais, reforçam esses movimentos, promovendo a falta de diálogo entre setores diferentes da sociedade.

O que define o populismo é sua incapacidade ou falta de vontade de lidar com as diferenças entre as pessoas

Efeitos colaterais

O populismo pode gerar efeitos colaterais indigestos entre seus rivais, uma espécie de antipopulismo tão prejudicial quanto ele. Combater esse monstro não depende apenas da conscientização das massas, mas também da mudança de postura das elites. Os partidos políticos precisam buscar formas melhores de se comunicar com a parte da população que acaba se rendendo à retórica fácil, mas simplista, dos populistas. “Somente alguns dos apoiadores do populismo de direita são xenófobos, racistas ou nacionalistas. Os demais protestam por estar no lado perdedor da globalização e da digitalização”, afirma Wolfgang Merkel, diretor do Departamento de Democracia e Democratização do Centro de Ciências Sociais de Berlim. “Os cosmopolitas e as classes altas precisam levar os interesses dessas pessoas a sério. A esquerda deveria ser mais crítica sobre os lados negativos da globalização, não deixando os protestos e as políticas contra a globalização para a direita.”