O uso da maconha medicinal nunca foi tão popular no Brasil e no mundo como agora e a tendência é que esse cenário se transforme em lugar-comum, longe dos tradicionais misticismos associados à polêmica planta que entre seus fitocanabinoides mais conhecidos estão o tetrahidrocanabinol, que é o THC, e o canabidiol, que é o CBD. Isso acontece porque estudos científicos e pesquisas acadêmicas agora comprovam o que portadores de várias doenças já viam na prática: a melhora de seus sintomas. Utilizada inicialmente apenas para o tratamento da epilepsia refratária, hoje os derivados da cannabis tratam patologias como a dor crônica, a ansiedade, o autismo, as doenças intestinais e ainda auxiliam e proporcionam a melhora na qualidade de vida de pacientes com Mal de Parkinson, Alzheimer, demência e em situação de paliativismo.

TECNOLOGIA A empresa ADWA Cannabis é pioneira na área de pesquisa em plantas e sementes no Brasil: estudos promissores em diversas áreas (Crédito:Divulgação)

Em meio à liberação da importação e aumento na variedade dos produtos nas farmácias brasileiras, médicos e pacientes discutem o uso da medicação caso a caso. Entretanto, os preços elevados, a desinformação e até o charlatanismo ainda são um empecilho para que o tratamento chegue a quem mais precisa. Wilson Lessa Junior, psiquiatra e professor da Universidade Federal da Paraíba, explica que atualmente qualquer médico, desde que devidamente informado, pode receitar derivados da cannabis aos seus pacientes. Ou seja, caso um ginecologista julgue com base na literatura médica que associar o canabidiol ao tratamento de um quadro de endometriose oferece boas condições de melhora, é possível fazê-lo. “Quando o medicamento era indicado apenas para a epilepsia, via-se que entre os pacientes que, além dessa condição, também eram autistas, havia melhora”, diz.

A partir de então, segundo Lessa Júnior, diagnósticos como rigidez, esclerose múltipla, demência e tantos outros começaram a ser avaliados e estudados ao redor do mundo. “Em Israel há uma lista com 13 condições onde o canabidiol já é indicado como a primeira opção de tratamento, entre eles Doença de Crohn e Transtorno do Estresse Pós-Traumático”, diz. No Brasil, um estudo publicado em 2020 pela Universidade Federal de Santa Catarina mostrou que associar o uso do óleo rico em THC no tratamento da fibromialgia melhora a qualidade de vida de quem possui a doença. Já a Universidade Federal da Paraíba avaliou positivamente a eficácia e a segurança do uso da cannabis em crianças autistas.

A melhora da qualidade de vida foi inclusive o que fez a psicóloga Fernanda Cammarota procurar um tratamento com canabidiol para o filho Miguel, com 12 anos, que, além de ser portador de Síndrome de Down, possui uma síndrome rara chamada de Moyamoya e asma crônica. “Há quatro anos a realidade da minha família mudou com o uso da cannabis. O Miguel vivia em hospitais, com convulsões e sem ganhar peso. Tínhamos tentado de tudo”, conta. Ela diz que hoje o filho brinca, corre e vai para a escola como qualquer outra criança de sua idade. Isso graças aos dois remédios com CBD que ela consegue através do governo do estado de São Paulo, após ir à justiça para conseguir a medicação de maneira gratuita. A via judicial, aliás, é a única maneira que muitos pacientes conseguem ter acesso ao tratamento, já que dependendo da posologia indicada, o custo mensal pode chegar a R$ 3 mil. “Tem muita gente vendendo remédios picaretas na internet, que não funcionam, ou não possuem a quantidade ideal do composto”, explica Fabiana, que também usa o CBD como uma medicação aliada ao seu diagnóstico de depressão crônica. Atualmente há 18 produtos derivados da cannabis aprovados pela ANVISA, feitos a partir de matéria-prima importada.

Para o neurologista Renato Anghinah, CMO da HempMeds, há bastante evolução no campo médico, mas a quantidade de estudos clínicos em humanos ainda é considerada restrita. “Comparo o canabidiol ao corticoide pela ampla gama de usos de ambos. O corticoide é anti-inflamatório, imunossupressor e antialérgico. É usado para dor em atletas e serve para asma. É possível indicá-lo para uma infinidade de usos”, diz. O médico, porém, afirma, que, como os corticoides, a cannabis é só mais um tratamento disponível. Segundo ele, cabe ao profissional responsável pela prescrição ter conhecimento técnico e, sobretudo, bom-senso.

“Há quatro anos a realidade da minha família mudou com o uso da cannabis. O Miguel vivia em hospitais, com convulsões. Já tínhamos tentado de tudo” Fernanda Cammarota, psicóloga e mãe de Miguel