No ritmo atual, seriam necessários mais 15 anos para que mulheres consigam igualdade com os homens em cargos de gerência e gestão nas maiores companhias da Alemanha.No início de março, Petra Scharner-Wolff assumiu o cargo de CEO do Otto Group, um conglomerado alemão fundado em 1949 com sede em Hamburgo, no norte do país. Na Alemanha, a Otto é uma empresa icônica, conhecida por seus extensos catálogos, que, por décadas, fizeram parte do ambiente de muitas casas. Em seu auge, as edições eram publicadas duas vezes por ano, tinham mais de 1.000 páginas e exibiam de tudo, desde roupas e brinquedos até jogos completos para dormitórios e acessórios diversos.
Hoje, a Otto não imprime mais seus catálogos, mas se transformou em uma das maiores plataformas de comércio eletrônico do mundo, com mais de 18 milhões de itens. Dados do ano passado apontam que a empresa tinha 38.500 funcionários e gerou uma receita de 15 bilhões de euros (cerca de R$ 93 bilhões).
A mudança na diretoria significa que pela primeira vez a família Otto não estará diretamente no comando da empresa. E a promoção de Scharner-Wolff também é, no fim das contas, uma pequena vitória para a igualdade no mundo dos negócios da Alemanha, um setor dominado por homens.
Discrepância evidente
Uma forma de medir a igualdade de gênero é contabilizar o número de mulheres em cargos de liderança nas empresas. Embora, na prática, seja uma medida imperfeita, já que não contabiliza todas as mulheres no mercado de trabalho nem leva em consideração as diferenças salariais entre os gêneros, a iniciativa pegou.
Analisando 160 grandes empresas de capital aberto na Alemanha em março de 2025, as mulheres estavam em 19,7% dos cargos executivos e 37,4% dos postos de diretoria, de acordo com um relatório da AllBright Foundation, uma organização sueco-alemã sem fins lucrativos que fomenta mais mulheres e diversidade nas empresas.
Ao todo, o levantamento apontou 561 homens e 138 mulheres em cargos de liderança executiva.
Analisando as 40 empresas mais importantes listadas no mercado de ações alemão DAX, apenas oito têm três ou mais mulheres nas equipes de liderança executiva. A Porsche Holding é a única que não tem nenhuma.
Parte do problema é a cultura corporativa conservadora no país, afirma Wiebke Ankersen, codiretora da AllBright Foundation, à DW: "As empresas estavam se saindo muito bem há muito tempo e não havia pressão suficiente para mudar".
Estereótipos enraizados
Há também outros problemas, a exemplo das regras fiscais que desestimulam mulheres casadas a trabalhar, além da insuficiência de creches: "Faltam dezenas de milhares de vagas em creches. Na Alemanha, as mulheres geralmente trabalham apenas algumas horas por semana ou abaixo de seu nível de qualificação e nem sequer seguem uma gestão de carreira", diz Ankersen.
Há várias outras razões para a baixa participação de mulheres em cargos de gerência na Alemanha, afirma Katharina Wrohlich, chefe do Grupo de Pesquisa de Economia de Gênero do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW) em Berlim e professora de finanças públicas, gênero e economia familiar na Universidade de Potsdam.
"Um fator importante são as normas de gênero predominantes no mercado de trabalho. As posturas sociais em relação a emprego em tempo integral para mães com filhos pequenos costumam ser negativas, o que afeta as oportunidades das mulheres em cargos de liderança de maneira desfavorável", diz Wrohlich.
Ou seja, estereótipos de gênero profundamente enraizados na cultura corporativa muitas vezes atrapalham.
"Tanto os pais quanto as mães devem ter permissão para tirar férias por motivos familiares e ter a opção de trabalhar em meio período", destaca Wrohlich.
Depois desse período, no entanto, é importante que as empresas os incentivem a retornar ao trabalho em tempo integral.
Melhorias com limitações
Wrohlich observou algumas melhorias nas últimas duas décadas, mas afirma que a Alemanha ainda está longe de alcançar a paridade de gênero. Olhando para o futuro, ela diz que "ainda é incerto se continuaremos a ver desenvolvimentos positivos".
Ankersen afirma que "houve um desenvolvimento positivo nos últimos cinco anos, ainda que em um nível baixo. Tornou-se difícil ter uma diretoria sem uma única mulher, pois isso não é mais socialmente aceito. A conscientização sobre igualdade de oportunidades e diversidade cresceu e as expectativas das empresas aumentaram".
Mesmo assim, no ritmo atual, serão necessários mais 15 anos para que haja tantas mulheres quanto homens em cargos de gerência e de gestão nas empresas alemãs.
"Simplesmente não podemos esperar tanto tempo", afirma Ankersen.
A Alemanha tem duas legislações que exigem cotas de gênero para a maioria das empresas de capital aberto. A primeira, promulgada em 2015, exige que os conselhos de supervisão sejam compostos por pelo menos 30% de mulheres.
Uma segunda legislação, de 2021, exige que as diretorias executivas de empresas de capital aberto com mais de três membros tenham pelo menos uma mulher. Essas companhias também precisam estabelecer metas para aumentar a representação feminina em outros altos cargos administrativos.
União Europeia em ação
No âmbito da União Europeia, regras semelhantes às aplicadas na Alemanha para promover a igualdade de gênero em cargos de liderança entrarão em vigor em junho de 2026.
Desde 2010, a presença de mulheres em conselhos administrativos aumentou na maioria dos estados-membros da UE, mas o progresso varia de país para país.
Conforme dados da Comissão Europeia, "em 2024, as mulheres representavam 39,6% dos membros de conselhos das maiores empresas em países com cotas de gênero obrigatórias, em comparação com 33,8% em países com medidas brandas e apenas 17% em países que não tomaram nenhuma medida".
Otto melhor do que a média
Uma vez que a maioria das regras de igualdade de gênero se aplica a companhias públicas, as empresas familiares colocam menos mulheres em cargos de liderança na Alemanha, de acordo com outro estudo da AllBright Foundation publicado em maio do ano passado.
Das 100 maiores empresas familiares da Alemanha, as mulheres são apenas 12,6% nas equipes de liderança executiva. E 53 não têm nenhuma mulher em seus times de liderança.
Nesse aspecto, o Grupo Otto fica acima da média. A nova CEO, Petra Scharner-Wolff, faz parte da diretoria executiva desde 2015. Seu antigo cargo de será ocupado por outra mulher, Katy Roewer. Agora, a diretoria de seis pessoas terá duas mulheres e quatro homens.
Roewer já tem uma semana de quatro dias de trabalho para ter um melhor equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, já que ela é mãe, e pretende manter esse cronograma em sua nova função.