As instituições e políticas públicas têm essa dupla natureza, como ensinou o filósofo Michel Foucault. Cada vez que se abre um posto de saúde em uma comunidade carente, por exemplo, cria-se um canal de assistência e vigilância. O lado da assistência parece óbvio, atender as pessoas com problemas de saúde, garantir cuidados básicos.

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O da vigilância se manifesta na coleta de informações, no reconhecimento dos indivíduos da comunidade e no monitoramento do seu comportamento. É algo que faz parte da atuação dos núcleos de poder do Estado, forças capilarizadas que atendem as necessidades da população, mas ao mesmo tempo vigiam seus passos e controlam seus destinos. É um traço inexorável do serviço público, que deve ser administrado a bom termo para impedir que as forças de vigilância se convertam em repressivas e que o assistencialismo descambe para o mero populismo.

Lideranças de direita tendem a fortalecer a função de vigilância institucional em detrimento da assistência. Interessa-lhes mais o controle do que a proteção das pessoas. É o que o atual governo busca tirando a transparência das informações públicas e desfavoráveis e exercitando a manipulação ideológica extremista. Nos governos de esquerda, a balança deveria pender para a assistência, mas a tentação populista também costuma ser grande. De qualquer forma, a situação atual é a pior possível com o esforço de aparelhamento da máquina do Estado pelo governo e uma vontade escancarada de usar a assistência para chantagear a população e conquistar seu voto em 2022. Um bom exemplo disso é o Auxílio Brasil, programa de renda mínima que Jair Bolsonaro tenta transformar em mera artimanha eleitoral, em uma reedição modernizada do velho voto de cabresto.

A deformação de políticas públicas é um objetivo do atual governo, que tem vocação autoritária e repressiva e quer colocar as instituições de joelhos trabalhando a seu favor. Está na cara que a estratégia do Ministério da Educação (MEC) daqui pra frente é desmontar o Inep e seu fundamental trabalho de avaliar o ensino no Brasil, além de usar o Enem como instrumento de censura e de vigilância. Para o governo, mais importante do que auxiliar os jovens a alcançar o curso superior é mudar seu pensamento, tirar-lhe a capacidade crítica e impor uma nova visão da história, em que o golpe militar de 1964 vira revolução e torturadores são considerados heróis. A mudança de critério vai repercutir, afinal, na correção dos exames e no próprio processo educacional, que vai ser pressionado a se adaptar à ideologia do governo. Mais do que assistir e apoiar os brasileiros, Bolsonaro quer vigiá-los, emburrecê-los e impedi-los de se desenvolverem como cidadãos.