Prorrogada até 5 de fevereiro do próximo ano, a exposição Liuba – Corpo Indomável, no Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia (MuBE), é uma oportunidade rara de rever ou conhecer a obra da escultora de origem búlgara Liuba (1923-2005), que viveu e morreu no Brasil. A artista, discípula da francesa Germaine Richier (1902-1959), assistente de Bourdelle, embora reverente a ela, não se submeteu à tradição clássica. Criou um repertório que renovou a sintaxe arcaica dos assírios e da cultura inca, dentro de um registro moderno à maneira dos vanguardistas Henri Laurens (precursor dos cubistas), Jacques Lipchitz (cubista) e Marino Marini (outro renovador da escultura arcaica, no caso etrusca), três de suas referências.

A mostra, organizada por Diego Mattos, é ampla, resumindo meio século de atividade de Liuba, dos bustos dos anos 1940 até seus últimos trabalhos, dos anos 1990, peças totêmicas de vocação ascensional. São quase duas centenas de obras expostas no interior do museu e na sua parte externa. Dominam a exposição as figuras de pássaros e plantas metamorfoseados na fronteira da abstração, sempre conservando uma estreita ligação com a escultura primitiva – e, nesse sentido, Liuba absorveu bem as lições de Germaine Richier e, principalmente, de Brancusi, em relação à pureza da forma.

EQUILÍBRIO

A adaptação vernacular da escultura arcaica em cruzamento com a fragmentação cubista – clara no Nu de 1957 (na mostra), que representa um marco na carreira de Liuba – é uma prova distintiva da maneira sutil como a escultora tratou esse hibridismo sem hierarquia. Para ela, o equilíbrio harmônico era o que contava.

Tanto que, na parte externa do MuBE, não choca o contraste entre a arquitetura contemporânea de Paulo Mendes da Rocha e essas formas ancestrais recriadas em bronze por Liuba, que o arquiteto admirava, segundo o curador Matos. A interação entre escultura e arquitetura é completa.

Mais uma vez, essa foi a principal lição que aprendeu com Henri Laurens (1885-1954), com quem manteve contato nos anos 1950 e cuja influência é nítida em peças massivas dos anos 1980, como as formas vegetais e animais raros que evitam o angular e transferem aos volumes um vigoroso dinamismo.

MARCO ZERO

Para chegar a esse estágio, Liuba começou do marco zero da escultura e não queimou etapas. Ao entrar na mostra, que começa no subsolo do museu, o visitante já nota que, mesmo antes de se mudar para o Brasil, a escultora já se interessava pela cultura dos antigos e pelos primeiros habitantes do País.

Poucos artistas europeus que aqui se instalaram (Brecheret e Segall, retratado por ela, são exceções) se interessaram por eles. O busto de um indígena, de 1949, tem a mesma serenidade de outros bronzes que retratam europeus, sem distinção de raça ou nacionalidade (basta compará-lo com o busto do marido da artista, o empresário e colecionador Ernesto Wolf, esculpido em 1971 e também na mostra).

Ao conhecer a escultora, nos anos 1980, notei que Liuba sempre partia de uma forma orgânica que pertence ao repertório universal, tentando transmitir ao espectador a mesma sensação que tinha ao esculpir a forma de seus trabalhos, que falam de mutações, mas se mantêm ligados a culturas ancestrais para sobreviver. O professor norte-americano Sam Hunter, num livro a respeito da escultora, faz referência a essa minha observação, acrescentando que essas culturas deixaram uma marca indelével em suas peças antropomórficas arquetípicas – e elas estão presentes nos animais dos anos 1970 e da década seguinte.

Nos anos 1960, animais alados que devoram o espaço dominam a produção da artista (e são as “estrelas” da mostra). Os pássaros noturnos que Liuba esculpe são formas líricas e exemplos de uma força vital que parece vir de uma coreografia paradoxalmente estática – essa esculturas fixam o momento de uma dança interrompida, um ensaio de voo que seria retomado com êxito no anos 1980 com as peças antropomórficas e as cabeças aladas de criaturas híbridas, fantásticas. Seu impulso, evoque-se, nunca foi mimético. Esses animais não vinham do mundo real, mas dos sonhos, agora compartilhados no MuBE.

Liuba – Corpo Indomável

MuBE. Rua Alemanha, 221,

Jardim Europa. 3ª/dom., 11h/17h. Gratuito. Até 5/2.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.