Nem acabou a fase de grupos e a tecnologia do árbitro de vídeo já mudou a história da Copa da Rússia. Até sexta-feira 22, seis dos treze pênaltis marcados nas 25 partidas disputadas tiveram auxílio do VAR (sigla em inglês para árbitro auxiliar de vídeo). O Brasil não se deu bem de saída com a novidade. O pênalti sofrido por Neymar no jogo contra a Costa Rica, inicialmente marcado pelo juiz, foi anulado pelo vídeo. Foi o primeiro pênalti que o VAR cancelou — e, a julgar pelas imagens exibidas pela TV, de maneira acertada.

Patrick Smith – FIFA

“O uso do vídeo protege a essência do esporte, que está na igualdade de condições entre os competidores”, afirmou Pedro Trengrouse, professor de gestão do esporte da FGV-Rio. A tecnologia consiste de uma equipe analisando jogadas duvidosas em uma sala de transmissão repleta de telas conectadas às 33 câmeras em campo. A Fifa recomenda que só diante de “erros óbvios” ou “omissões muito comprometedoras” o juiz seja alertado por meio de um ponto eletrônico. Uma tela na beira do campo é usada para mostrar a jogada. Assim, pela primeira vez, quem apita têm a seu dispor o recurso do “replay”, como os telespectadores em casa. O árbitro que não havia assinalado um pênalti em favor da Islândia na partida contra a Nigéria voltou atrás ao rever o lance. Mas o batedor islandês desperdiçou.O time mais beneficiado pela tecnologia nas duas primeiras rodadas foi França. Na estreia, contra a Austrália, vencida por 2 a 1, o primeiro gol saiu em um pênalti assinalado por Griezmann após uso do VAR. Já os dinamarqueses foram os que mais sofreram com a nova tecnologia, com dois pênaltis contra. Autor das duas infrações, o atacante dinamarquês Yurary Poulsen acabou suspenso do terceiro jogo, na próxima terça 26, por ter recebido um cartão amarelo para cada vez que foi flagrado chutando adversários dentro da área. “Estou odiando bastante”, disse Poulsen sobre as marcações. O jogo limpo favoreceu também a Espanha, que só venceu o Irã depois que um gol impedido de Ezatohali foi anulado por alerta dos auxiliares.

A Fifa recomenda que só diante de “erros óbvios” ou “omissões comprometedoras” o juiz seja alertado pelo ponto eletrônico

Mesmo assim, a aplicação dessa nova tecnologia precisa ser azeitada. Os brasileiros reclamaram do empurrão que o zagueiro Miranda levou na jogada que resultou no empate da Suíça, na estreia. No mesmo jogo houve um agarrão não marcado no atacante Gabriel Jesus dentro da área. Pior foi o inglês Harry Kane, vítima de dois pênaltis ignorados contra a Tunísia. As confederações brasileira e inglesa se queixaram junto à Fifa. No caso inglês, a entidade ficou de examinar se o auxiliar brasileiro Sandro Meira Ricci falhou ao não avisar o árbitro em campo. Já aos brasileiros, os dirigentes apoiaram incondicionalmente todas as indicações do VAR.

Erros históricos

Se no passado houvesse a tecnologia de vídeo e chip na bola, a história das Copas seria bem diferente. Maradona não teria feito seu histórico gol com “a mão de Deus”, em 1986, quando a Argentina venceu a Inglaterra por 2 a 1. O placar foi resultado de um “soquinho” dado na bola, que entrou. O juiz não viu e validou o gol. Na vitória da Itália por 3 a 2 contra o Brasil em 1982, Zico invadiu a área italiana e teve a camisa puxada e rasgada por Gentile. Porém, o juiz só marcou impedimento do brasileiro, assinalado pelo bandeirinha. Na Copa seguinte, o Brasil ganhou da Espanha, por 1 a 0, mas uma bola chutada pelo espanhol Michel chegou a entrar, depois de ter batido no travessão. O juiz mandou seguir e o Brasil acabou marcando com Sócrates. Em 2014, jogando em casa, o Brasil estreou com o placar de 3 a 1 sobre a Croácia. O atacante brasileiro Fred simulou ter levado um agarrão que resultou em pênalti. Foi o gol do empate — e que permitiu a virada. Hoje o jogo pode estar mais limpo, mas as interpretações duvidosas não desapareceram.

Brasil 2 x 1 Espanha, 1962

Nilton Santos derrubou o espanhol Collar na área. O brasileiro deu um passo para o lado e o juiz chileno marcou falta. No segundo tempo Amarildo virou par o Brasil.

Inglaterra 4 x 2 Alemanha, 1966

Na prorrogação da final, um chute de Hurst bateu no travessão, quicou na linha e saiu. O auxiliar Tofiq Bakhramov, do Azerbaijão, confirmou o terceiro gol inglês. É o lance mais polêmico de uma decisão.

Itália 3 x 2 Brasil, 1982

No primeiro tempo, Zico invadiu a área italiana e teve a camisa puxada e rasgada por Gentile. Porém, o juiz só marcou impedimento do brasileiro, assinalado pelo bandeirinha.

Brasil 1 x 0 Espanha, 1986

Na estreia, o espanhol Michel acertou um chutão que fez a bola bater no travessão e cair além da linha para depois sair. O juiz mandou seguir e o Brasil acabou marcando com Sócrates.

Argentina 2 x 1 Inglaterra, 1986

O baixinho Maradona saltou na área para disputar com o goleiro Shilton, 19 centímetros mais alto. O argentino ergueu o braço esquerdo e, de punho cerrado, deu um soquinho na bola, que entrou. O juiz não viu e validou o gol, que ficou conhecido como “La Mano de Dios”.

Coréia do Sul 2 x 1 Itália e Coréia do Sul 0 x 0 Espanha, 2002
Contra a Itália, nas oitavas, o juiz deu um impedimento inexistente no gol de Tommasi que encerraria a partida por morte súbita. Nas quartas, dois gols espanhóis foram anulados erroneamente. A Coreia venceu nos pênaltis.

Alemanha 4 x 1 Inglaterra, 2010

Nas oitavas, os ingleses teriam empatado o jogo se fosse confirmado um gol de Lampard em que a bola encobriu o goleiro, bateu no travessão e ultrapassou a linha em quase meio metro. Para os alemães foi a vingança da final de 66.

Brasil 3 x 1 Croácia, 2014

No jogo de abertura, o atacante brasileiro Fred simulou ter levado um agarrão que resultou no gol de pênalti e empate.