Um dos coordenadores da campanha de Lula, Wellington Dias (PT-PI) avalia que o antipetismo perdeu força desde 2018 devido, sobretudo, aos reveses da Lava Jato e aos erros de Jair Bolsonaro — quem, a seu ver, terceirizou o governo a prepostos. Filiado ao PT desde 1985, o ex-governador do Piauí minimiza a necessidade de uma autocrítica do partido tanto pelo envolvimento em escândalos de corrupção quanto pelos equívocos das gestões Lula e Dilma.“Podemos ter tido erros, mas, se a gente examinar, a quantidade de acertos foi maior”, pontua, em entrevista à ISTOÉ. Moderado, Dias, pré-candidato ao Senado, prega a priorização da pauta econômica, com o reforço de programas sociais e de políticas voltadas à classe média. À frente de rodadas de conversas com o setor produtivo, o petista justifica propostas como a revogação do teto de gastos e acrescenta que o empresariado perderia com uma eventual reeleição de Bolsonaro. Para embasar o argumento, aponta que os reiterados ataques do presidente ao sistema eleitoral integram a lista de razões para a piora da percepção de risco dos investidores internacionais sobre o Brasil, já que as ameaças representam claros riscos à democracia

O sr. é conterrâneo de Ciro Nogueira, que se elegeu na chapa petista em 2018 e fazia juras de amor a Lula. Como vê a mudança brusca dele?
A minha avaliação é de que ele fez uma aposta em relação ao governo de Bolsonaro. Nas decisões políticas, há ônus e bônus. Avalio que há uma mudança no Brasil muito grande em relação a 2018. Há quatro anos, era muito forte o antipetismo por tudo que aconteceu, do Mensalão à Lava Jato. Construiu-se uma imagem que, com o tempo, está desmoronando.

Então não há receio de que o antipetismo decida as eleições de 2022?
Na eleição de Fernando Haddad, chegamos ao pico do antipetismo. Aproximadamente 51% dos eleitores ouvidos em pesquisas feitas à época declararam que não votavam no partido. Até compreendo que, dos 55% dos votos válidos que Bolsonaro teve, aproximadamente 25% eram de pessoas que tinham o pensamento mais próximo do dele, ainda que não o conhecessem bem, e outros 30% o apoiaram pelo antipetismo. Agora, no geral, o sentimento anti-PT foi de 51% para 30%, 29% e segue caindo. Então, são outros os fatores que figurarão como determinantes para o resultado das eleições deste ano.

A que o sr. atribui essa queda?
Depois da prisão, qual o gesto que Lula fez? Saiu de sua casa e foi a de Geraldo Alckmin, com quem concorreu em 2006, e lá, numa conversa simples, disse: ‘Você acha que a situação do Brasil está ruim?’. Ele respondeu que sim. E, então, Lula falou que concordava e apontou: ‘É hora de esquecermos as diferenças e darmos as mãos’. Coloco isso de forma simples para você entender que a possibilidade maior é de cada vez mais pessoas compreenderem não apenas o que aconteceu na Lava Jato, que armou para tirá-lo das eleições de 2018, mas também analisarem com senso crítico outros momentos. Por exemplo: qual a situação de Bolsonaro? Todas as pessoas que ele tachava como ‘bandido’, ‘corrupto’, ‘pior político do país’, foram chamadas, uma a uma, para estar em seu entorno. Ele entregou o Brasil. Na verdade, o presidente hoje quase não governa. São prepostos que estão na condução do país. Isso é muito perigoso.

O sr. considera pertinente que o PT faça uma autocrítica?
É preciso compreender que há um problema que vai muito além do PT. Veja que ele não foi o único partido comprometido. Temos o pior regramento para os partidos e política eleitoral do mundo. Se você pegar um globo, girar e apertar o dedo em qualquer país, esse país, certamente, terá uma regra político-eleitoral melhor do que a do Brasil. É um modelo que desvaloriza partidos, ideias e programas. Temos um problema maior. Do ponto de vista de governo, a relação com agentes do agronegócio, do empresariado, da indústria, será melhorada, levando em conta a sintonia com cada parte do Brasil. Em relação às várias ações, podemos ter tido erros, mas se a gente examinar, a quantidade de acertos foi maior.

O PT se corrompeu?
O partido tem cerca de dois milhões de filiados. Tivemos problemas com alguns membros? Sim. Eles pagaram na Justiça ou estão pagando. Somos feitos de pessoas que são parte da sociedade. Porém, a ampla maioria se sustentou na defesa do combate à corrupção. Vamos olhar o caso de Lula. Precisamos lembrar que o ex-juiz Sergio Moro, de repente, se torna um popstar. Imediatamente após a eleição em que tirou o principal candidato, vira ministro de Bolsonaro. Só esse enredo já diz o que aconteceu. O PT também tem, agora, com a candidatura de Lula, a oportunidade de, com mais experiência, dar passos mais seguros.

Mas Lula segue ladeado de figuras enroladas, como José Dirceu.
O próprio José Dirceu, que tem trabalhado a defesa perante a Justiça das acusações que lhe foram feitas, pediu para não fazer parte da coordenação da campanha. Ele tem simpatizantes e, claro, tem viajado. Ele sabe a importância dessa eleição.

Depois de acusar o MDB de um golpe contra Dilma, o PT busca o apoio do partido. Não é controverso?
Há uma compreensão de que o que está em jogo é algo muito maior. Não pense que seja fácil, depois de todas as disputas que tivemos entre PT e PSDB, imaginar, por exemplo, uma aliança entre Fernando Haddad e Márcio França, ou construir uma base de apoio com sete partidos que têm diferenças. É uma orquestra que precisa, mais do que nunca, estar afinada para que a gente alcance os resultados que o Brasil precisa. O primeiro passo foi dado por Lula e Alckmin e é algo que só compreenderemos com o tempo. Levou tempo, por exemplo, para que entendessem o gesto entre Lula e José Alencar.

Como o sr. avalia a postura de Dilma que, ignorando as articulações, nesta semana chamou Michel Temer de “traidor”?
Quando a gente trata de um tema que mexe com o direito individual, a reação tem que ser respeitada. Tanto a do ex-presidente Michel Temer, que, em um gesto, reconhece que ela não praticou crime e foi afastada da política, quanto a de Dilma, que é quem viveu tudo aquilo.

Lula tem apresentado uma postura dúbia. Enquanto amplia agendas com empresários, ataca políticas-chave para a economia, como o teto de gastos e a reforma trabalhista. Qual será a versão encampada por ele na campanha?
Nosso projeto é fruto de uma pactuação de sete partidos e lideranças de outras siglas que não estão na coligação. Sobre reforma trabalhista, o que está pactuado? As decisões serão tripartite: governo, trabalhadores e empresários. Todos sentarão à mesa para a definição de mudanças. Em relação ao teto, Lula pretende realizar algo semelhante ao que fez em 2003. Não é apenas pelo corte de gastos que encontraremos uma solução. Há necessidade de um plano com medidas emergenciais. O que ele coloca é que, mesmo numa situação muito delicada, não podemos deixar de ter alguma capacidade de investimentos.

As emendas de relator ainda engessam o orçamento. Haverá mudança nos gastos do Executivo?
O modelo do orçamento secreto gerou muita distorção entre os estados. Há parlamentares que, em sua terra natal, apresentam projetos de R$ 15 milhões. Outros, às vezes eleitos com menos votos, conseguem até R$ 400 milhões. Isso cria uma desigualdade dentro da própria política. Na prática, é uma fraude dos recursos públicos. As emendas, então, voltarão a ser colocadas numa lógica em que o parlamentar, sim, pode indicar, mas as propostas terão de fazer parte desse projeto nacional. Vamos trazer as emendas para o que é a prática republicana e constitucional.

As pesquisas mostram que se quiser vencer no primeiro turno, Lula precisa crescer entre eleitores da classe média. Já existe um plano?
O Brasil alcançou entre 2003, quando Lula tomou posse, até 2012, mais de 50% da população economicamente ativa na classe média. E agora vem perdendo com a queda na renda e também no número de pessoas nessa classificação. Temos um plano que ainda não foi anunciado: está sendo trabalhado o compromisso de reconhecer que há um congelamento na faixa de isenção da tabela do IR que tira renda da classe média, inclusive empurrando uma parte dela para a mais carente. A ideia, portanto, é atualizá-la, para beneficiar mais pessoas. São pessoas que não conseguem mais trocar o veículo, fazer uma melhoria na sua casa ou viajar nas férias.

Mas é preciso, ainda, que essas pessoas consigam aumentar a renda.
Temos o compromisso, que não é só eleitoral, mas uma estratégia econômica, de ampliar a renda da classe média a partir de estímulos a autônomos, micro e pequenos empreendedores, por exemplo. São pessoas que, na pandemia, fecharam suas atividades. Vamos criar um projeto para apoiá-los. Mais: é preciso reformular o salário mínimo, com reajuste pela inflação, mais um ganho real com base no crescimento do PIB. Isso influencia toda a economia.

O senhor participa de discussões com o empresariado. O PT conseguiu quebrar parte da resistência?
O que o setor empresarial de qualquer área pode esperar de Bolsonaro como presidente por mais quatro anos? O que se pode esperar de diálogo, estabilidade interna, previsibilidade? No governo dele criou-se um risco com a forma banal na qual se fazem alterações da Constituição, inclusive sem diálogo, sem entendimento com o setor privado, estados e municípios. Lula é o contrário. Junto com Alckmin, há garantia de serenidade, segurança.

O empenho pela eleição de Lula no primeiro turno é a busca de um seguro contra o golpe?
A gente já assistiu um filme: Estados Unidos. Aqui, quer-se reproduzir o modelo Trump. De um lado, através de fake news, e, do outro, por meio de tensões fabricadas, como a do questionamento das urnas e de ameaças à democracia, para fugir dos verdadeiros problemas. Bolsonaro foi eleito como uma pessoa desconhecida por razões diversas. Agora, a população já o conhece. O conceito que se agiganta é de que ele é um presidente despreparado. O Brasil não é um país qualquer, é um avião muito grande, que está sendo pilotado por um motorista de tanque de guerra.

E qual é a conseqüência disso?
É que a cada dia teremos mais destruição, seja do que o país tinha de alicerce para o desenvolvimento, seja do que é essencial para a qualidade de vida e a democracia. Mas, a partir da Constituição de 1988, o povo brasileiro passou a viver uma nova era e não quer dar passos para trás. O lema ‘Ditadura nunca mais’ faz muito mais sentido hoje do que fazia nos anos 80. As instituições estão unidas.

O PT mede a temperatura junto às Forças Armadas?
As Forças Armadas, pelo que temos acompanhado, vão manter o compromisso com a Constituição e, nesse sentido, defenderão a democracia.