De acordo com o último boletim divulgado pelo Ministério da Saúde, entre primeiro de julho de 2017 e 24 de abril deste ano o Brasil registrou 1.218 casos de febre amarela e 364 mortes decorrentes da doença. Os estados mais atingidos foram Minas Gerais, com 508 casos, São Paulo, com 495 registros, e Rio de Janeiro, que somou 208 ocorrências. No ano passado, no mesmo período, confirmaram-se 733 casos e 241 óbitos. Como explicar um aumento tão expressivo da doença no País em espaço tão curto de tempo? Não há uma resposta única para a questão, na opinião dos especialistas que participaram do debate promovido por ISTOÉ na tarde da quarta-feira 25, em São Paulo. A combinação entre um longo processo de ocupação desordenada dos espaços de mata por aglomerados urbanos, a existência de áreas com grande concentração de pessoas que não haviam sido vacinadas e uma força surpreendente de transmissão do vírus causador da enfermidade estão entre os fatores principais que justificam o crescimento. E que exigem a manutenção do alerta e a aplicação contínua de medidas para evitar que a febre se dissemine pelas cidades.

Foram esses os temas que nortearam o debate. Participaram do evento a epidemiologista Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações, e Renato Vieira Alves, coordenador da área de Doenças Transmissíveis, ambos da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, e os médicos Artur Timerman e Ralcyon Teixeira. O primeiro é presidente da Sociedade Brasileira de Dengue/Arboviroses. O segundo, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia. Todos os debatedores apresentam grande experiência nos trabalhos de prevenção e de tratamento da doença.

Evolução surpreendente

O panorama atual exige que toda atenção seja mantida para que a próxima temporada, a se iniciar com a volta das temperaturas elevadas, não seja impactada como a que se encerra agora. Entre as providências mais importantes está o cumprimento das metas de vacinação, ainda muito abaixo do necessário. Em lugares como São Paulo e Rio de Janeiro, o objetivo é imunizar 95% da população, mas o total de pessoas vacinadas está distante disso: 41% no Rio e 52% em São Paulo. Ao contrário do que se viu no início do ano, quando a população correu aos postos de vacinação assustada com o aumento de casos, o que se observa agora é um esforço das autoridades para convencer os cidadãos da importância de se vacinar. “Tenho pacientes que me perguntam qual o risco de tomar a vacina”, contou Artur Timerman. “Respondo que o risco é não se proteger”, diz.

Muita gente ficou com medo de tomar o imunizante depois da ocorrência de óbitos por causa da vacina. No entanto, como salientaram os participantes, a vacina, além de segura, é o meio mais eficaz de evitar a infecção. Por isso a urgência em estender a cobertura para o maior número de pessoas o mais rápido possível. “E como não há vacina para todos, a decisão foi a de que, nesse momento, o melhor é oferecer doses fracionadas”, explicou Carla Domingues. A decisão está embasada em estudos clínicos que atestaram a eficácia da estratégia e também em uma experiência recente, usando as fracionadas, na contenção de um surto no Congo, em 2016. Lá, como aqui, também era urgente impedir que o vírus continuasse se propagando. E como não havia imunizante para todos, as doses foram divididas.

PROTEÇÃO Há um apelo para que a população se imunize. A cobertura está abaixo do que é necessário (Crédito:Rovena Rosa/Agência Brasil)

Os surtos recentes da febre amarela estão surpreendendo os estudiosos em alguns pontos. “Digo que estamos reescrevendo os capítulos dos livros sobre a doença”, afirma o infectologista Ralcyon Teixeira, da Sociedade Brasileira de Infectologia. Na opinião de Renato Vieira Alves, do Ministério da Saúde, uma das características que chama a atenção é a força de transmissão do vírus. “Não tínhamos visto nada parecido em outros momentos”, afirmou.

“Estudos clínicos e uma experiência na África atestam a eficácia das doses fracionadas da vacina” Carla Domingues, Ministério da Saúde

A grande preocupação é evitar que o vírus se prolifere nas cidades. Por enquanto, não há registro da forma urbana de transmissão. O último surto do gênero ocorreu em 1942. Nesse caso, o vírus é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti, o mesmo que transmite os vírus da dengue, chikungunya e zika. Por enquanto, os casos recentes estão dentro da classificação silvestre. O vírus é passado pelos mosquitos Haemagogus e Sabethes. Isso quer dizer que a circulação está circunscrita às áreas de mata. O problema, como lembraram os participantes, é que cada vez mais se confundem as fronteiras entre as cidades e as florestas, o que aumenta a chance de a disseminação urbana se tornar realidade.