Depois de conquistar reconhecimento internacional em Cannes e ser escolhido como o representante brasileiro na corrida pelo Oscar 2026, O ‘Agente Secreto’, dirigido por Kleber Mendonça Filho, finalmente chegou aos cinemas.
Com Wagner Moura no papel principal, o longa se passa em 1977, um dos períodos mais turbulentos da Ditadura Militar no Brasil — anos marcados por vigilância constante, conflitos ideológicos e segredos de Estado que jamais poderiam vir à tona.
Entre cenas fortes, uma em especial tem despertado grande curiosidade do público. Em determinado momento da história, a perna humana encontrada na boca de um tubarão dá início a um clima de pânico, atacando moradores pelas ruas.
Essa figura não surgiu por acaso. Kleber se inspirou em uma famosa lenda urbana de Pernambuco, usando o imaginário popular como metáfora para refletir os medos e a repressão da época.
A origem desse mito remonta ao Recife dos anos 1970. A narrativa foi popularizada pelo escritor e jornalista Raimundo Carrero, então redator do Diário de Pernambuco, que a publicou no jornal em 1º de fevereiro de 1976.
Na história original, a Perna Cabeluda é exatamente o que o nome sugere: um único membro inferior que caminha sozinho, sem corpo ou rosto. Cheia de pelos grossos e com unhas pontiagudas, ela costuma atacar durante a noite, principalmente em locais escuros ou vazios. Também seria capaz de invadir casas e surpreender moradores, sem qualquer explicação para seu comportamento.
Os ataques seguem sempre o mesmo padrão: ágil e imprevisível, a perna se move rapidamente, derruba e golpeia suas vítimas com chutes até deixá-las no chão, desaparecendo logo em seguida. Após um período de terror em uma cidade, ela seguiria para outro destino, reiniciando o ciclo.
Depois da publicação no jornal, as rádios locais passaram a noticiar relatos de pessoas que juravam ter encontrado a criatura. A lenda se espalhou e ganhou vida própria no imaginário popular.
Carrero revelou anos depois que tudo começou como uma brincadeira interna entre jornalistas, que adoravam inventar histórias improváveis. Porém, estudiosos enxergam a Perna Cabeluda como um reflexo da violência urbana e do medo coletivo sob o regime autoritário — uma figura sem identidade, assim como os ataques e abusos cometidos às sombras naquele período.
Em entrevista ao portal Aventuras na História, em 2019, Carrero lembrou como a censura moldou sua criação: “Durante a Ditadura Militar, muita coisa era proibida de ser publicada. O editor do Diário de Pernambuco, e hoje ministro do STJ, Og Marques Fernandes, pediu que eu criasse uma coluna policial com casos absurdos. Foi assim que a Perna Cabeluda nasceu.”
A criatura ultrapassou os limites do jornalismo e passou a ocupar diversos espaços da cultura popular: literatura, artesanato, cinema e até a própria paisagem do Recife, tornando-se parte permanente do folclore pernambucano.
No filme, essa atmosfera misteriosa se conecta à trajetória de Marcelo, interpretado por Moura — um especialista em tecnologia que retorna à cidade natal em busca de tranquilidade, mas se depara com perigos e intrigas profundamente enraizados na sociedade local.
O elenco ainda reúne nomes de peso como Maria Fernanda Cândido, Gabriel Leone, Carlos Francisco, Roberio Diógenes, Hermila Guedes, Tânia Maria, Isabél Zuaa e Alice Carvalho, reforçando a força da produção brasileira.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/K/z/Hw7dnBTCAGTXjtlvUAzw/perna-2.jpg)
A perna cabeluda — Foto: Reprodução
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/f/X/nFpzaBTpuTcVwCVWuXHA/perna.jpg)
A lenda da perna cabeluda — Foto: Reprodução