O presidente tem um feeling muito peculiar para arranjar suas confusões. A última delas com o seu partido, o PSL, tem potencial de azedar na reta final a discussão da Reforma Previdenciária, a mãe de todas as reformas, esperada ansiosamente pelo País após quase um ano de arrastadas negociações, e que tem data de agenda marcada para votação em segundo turno no Senado logo na semana que vem. Onde estava com a cabeça o mandatário para gerar esse escarcéu político junto a seus aliados logo no momento em que mais precisava deles? Por que cargas d’água passou a disparar ataques desvairados, espinafrando o líder da legenda, Luciano Bivar – tratando-o como alguém queimado –, enquanto acusava os correligionários de corrupção em um ambiente já conflagrado por seus tiros a esmo? Deu no que deu. Votos praticamente firmes da reforma migraram à coluna dos indefinidos. A base de apoio se esfacela. No Congresso há no momento quem convoque obstruções em série ao governo e sugira discussões para reformular a estrutura do Poder Executivo. Muitos vão propositadamente reduzir quórum nas sessões plenárias, tumultuar o andamento de votações, procrastinar apoios. Jogar contra, em resumo. Típico de oposição. E logo da esquadra que antes cerrava fileiras na coluna de sustentação do Messias? Inacreditável. Só um mito para almejar tamanha pajelança de intrigas. Parlamentares como o presidente da Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça, Felipe Francischini (PSL-PR) e o líder na Câmara, Delegado Waldir (PSL-GO), passaram a falar abertamente em boicote, inconformados com a operação deflagrada pela PF de buscas e apreensões orquestradas nos endereços do cacique Bivar. Soou entranho, não há dúvida. Após dez meses de um arrastado processo de investigação envolvendo o PSL, só agora, no momento da troca de farpas de lado a lado, em uma tática quase milimetricamente cronometrada, a polícia — subjugada ao Ministério da Justiça, que por sua vez se reporta à Presidência, e a equação direta transitiva era lembrada nos corredores do Parlamento por congressistas indignados – resolveu ir a campo. A ação serviu de mote aos bolsonaristas de carteirinha, que pegaram o argumento como justificativa para um desembarque em massa da sigla, sem risco de perda do mandato. Ou seja: esperaram a PF bagunçar o coreto do PSL para garantirem uma saída à francesa sem penalidades. Fizeram o esquema tático certinho e combinado com o núcleo duro do capitão. Até a devassa se deu de maneira seletiva. Não alcançou, por exemplo, o ministro intocável Marcelo Antônio, condutor notório do laranjal, “brother” do presidente. Bolsonaro, por sua vez, hoje alega que a sua eventual (quase certa) desfiliação do PSL se dará por que ele não aceita misturar seu nome com o de investigados em suspeitas de caixa dois ou em quaisquer outros malfeitos. Então, de novo a pergunta: e o que dizer do dileto ministro do turismo? Ou do filhote Flávio? Ambos metidos em rolos notórios? O fato concreto é o seguinte: a briga se dá em torno do famigerado fundo partidário. No caso, um bolo polpudo de R$ 300 milhões, que todo mundo quer meter a mão. O problema é o dinheiro, ora bolas! Como sempre. Simples assim. O capitão quer comandar as eleições municipais de 2020 a sua maneira. O partido quer aproveitar o momento para consolidar a força e expressão nacionais que angariou. Cada um tenta tirar a própria lasquinha desse butim. E a farra continua. Nova gestão, velhos métodos. Bolsonaro segue, sem freios, visando tão somente o próprio interesse, a reeleição, o amparo a apaniguados e chegados, a despeito dos prejuízos aos governados. Tumultua a cena. O filtro que ele coloca, a favor de uns e contra outros, e as contradições de seus atos beiram o risível. Em certos momentos ele parece boicotar a si mesmo e ao seu governo. Nos últimos dias, emissários do Planalto e simpatizantes começaram a ruminar nos bastidores o diabólico ardil de uma greve geral na forma de protesto ungido no seio de diversos setores sociais que se rebelariam contra as deliberações do Congresso. Pode isso? Davi Alcolumbre, Rodrigo Maia & Cia seriam os alvos. Colocados contra a parede pela massa, pichados de vilões, inimigos da pátria, qualquer alcunha que sirva para mostrar que os erráticos estão do outro lado. A patota de membros do movimento “Muda Senado” imaginou endurecer e personalizar o discurso pela CPI da Lava Toga, se unindo à causa. Deseja culpar a Casa por não estar cumprindo o seu papel. Logo, o timoneiro Davi Alcolumbre, no intento maquinado pela acusação, seria execrado por supostamente perder o manche da direção, já que é dele a escolha de como e quando o Senado deve fiscalizar, ou não, a Corte (prerrogativa constitucional, segundo a Carta). Alcolumbre viraria bola da vez por motivos óbvios. A parolagem dos donos do poder planeja colocar pressão nos seus ombros para que ele se engaje ainda mais no trabalho de convencer senadores a aprovarem o nome do filho Dudu Bolsonaro para a embaixada de Washignton. As peças do tabuleiro estão postas. E Jair Messias atua como crupiê por trás das maquinações. Demonstra uma sensibilidade esquizofrênica para fazer valerem os seus objetivos. Imaginar o filhote Dudu no posto máximo da carreira de embaixada, por exemplo. A ideia foi tão longe que o chanceler Ernesto Araújo – na condição de cupincha das tramoias do chefe – achou por bem determinar a alguns diplomatas que dessem aulas de relações internacionais ao escolhido aspirante. A vantagem de tê-lo lá? Trump gosta dele e do pai. Gosta mesmo? Na hora de escolher quem indicaria para OCDE priorizou a Argentina, apesar dos apelos do chapa brasileiro. No plano externo, Bolsonaro vai aprendendo a duras penas que há uma distância abissal entre gostar e compartilhar interesses. O presidente deveria deixar definitivamente de lado as fanfarras, a “brodagem” e o personalismo das escolhas para realmente governar em nome de todos, que é o que interessa. Soa um tanto patológica essa inclinação por manter o País em estado de conflito sem fim. Que alguém lhe resgate o bom-senso. Se puder.


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