Ao contrário do peru da ceia de Natal, que morre de véspera, o acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia talvez sobreviva até o final do ano. Em meio a fortes divisões dentro de seu partido, sua negociadora, a premiê britânica Theresa May, ganhou um pequeno respiro para seu governo. Na noite de quarta-feira 12, ela venceu, com 63% dos votos, uma moção de confiança convocada pelo Partido Conservador, do qual faz parte. Na prática, a primeira-ministra não poderá ser desafiada novamente pelos deputados durante um ano. Isso não significa, no entanto, que será um período isento de tribulações. Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, de oposição, divulgou uma declaração sobre o resultado que bem reflete os desafios que a premiê terá de enfrentar daqui pra frente. “O voto desta noite não faz diferença”, disse ele, que a desafiou a colocar sua proposta do Brexit para votação no Parlamento britânico. “A primeira-ministra perdeu a maioria no parlamento, seu governo está um caos e ela é incapaz de entregar um acordo de saída que funcione para o país e coloque os empregos e a economia em primeiro lugar”, disse Corbyn. Jacob Rees-Mogg, do Partido Conservador, responsável por liderar o voto contra May, por sua vez, disse que a moção teve um “resultado terrível para a primeira-ministra” e pediu que ela deixasse o cargo. May, porém, em seu discurso, não mostrou intenção de renunciar. “Depois dessa votação, agora precisamos continuar com este trabalho de entregar o Brexit à população britânica”, disse ela.

Não será tarefa fácil. Após 17 meses de negociação, May finalmente assinou, no final de novembro, um acordo para o divórcio entre o Reino Unido e a União Européia (UE). Os termos são considerados péssimos tanto por quem é contra, como por quem é a favor da separação. No texto há uma sugestão de se evitar o retorno de uma fronteira entre a Irlanda do Norte, que é parte da Grã Bretanha, e a Irlanda, que faz parte da União Europeia. Caso não seja encontrada uma solução para as Irlandas, o acordo de May propõe que o Reino Unido permaneça na União Europeia, sob as regras aduaneiras do bloco. Além disso, indica um período de transição para a saída até dezembro de 2020, passível de prorrogação por até dois anos. Esse conjunto de medidas não agrada à ala dura do Partido Conservador, que defende uma separação mais radical. Já prevendo que esse acordo não seria aprovado pelo Parlamento, a premiê adiou, na segunda-feira 10, a votação que estava prevista para o dia seguinte.

Theresa May prepara-se para enfrentar a moção, na quarta-feira 12 (Crédito:© Andrew Parsons/i-Images/Zuma Press/Fotoarena)

CENÁRIOS RUINS

Os possíveis cenários para a aprovação do Brexit já estão traçados. Uma das alternativas é que o acordo de May seja aprovado pelo parlamento, mas a chance é remota. Ciente disso, na semana passada a primeira-ministra tentou negociar com Leo Varadkar, primeiro-ministro da Irlanda, e com Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, concessões para se chegar a um novo acordo. A União Europeia, no entanto, descarta essa possibilidade e afirma que o já assinado documento “é o melhor e o único possível”. Outro cenário para resolver o impasse seria convocar um segundo referendo Brexit, em que os eleitores escolheriam entre o plano de May ou a permanência do Reino Unido na União Europeia. Essa opção teria, no entanto, de passar ainda pelo desunido Parlamento. Se nada ocorrer, o Reino Unido deixará o bloco em 29 de março, sem negociação, o que poderá causar grandes danos econômicos.

Para especialistas, apesar da justa maioria, a premiê saiu fortalecida da votação de quarta-feira. “A vitória de May lhe dá mais autoridade. Ela tentou agradar os radicais e eles retribuíram o favor pedindo sua renúncia. Agora, ela pode se dar ao luxo de ignorá-los”, diz Matt Qvortrup, professor de Ciência Política da Universidade de Coventry, na Inglaterra, e autor do livro “Government by Referendum”, sobre o Brexit. “Eu prevejo agora a aprovação de um Brexit suave. Ela pode até tentar formar um governo de unidade nacional ou um referendo, mas um Brexit duro é impensável”, diz ele, que também foi assessor da Câmara dos Comuns. Pelo visto, há um risco de este ser o último Natal do Brexit.