“Vivemos num mundo em
que a poesia simplesmente não tem mais lugar” Michel Houellebecq, escritor

São raros, ou inexistentes, os autores que vendem milhões de exemplares ao mesmo tempo que obtêm o reconhecimento da crítica e são chamados de mestres do estilo. O francês Michel Houellebecq é um deles – e, para muitos, é o único literato atual a conjugar as duas qualidades aparentemente opostas. Como se não bastasse, também atua como um cientista social antecipador das tendências comportamentais, políticas e tecnológicas que definem o ar dos tempos. Cada lançamento seu é um evento aguardado mundialmente.

Em 31 anos de publicações, o autor de 61 anos lançou 20 títulos, entre coletâneas de poemas (nove), ensaios (quatro) e romances (sete). Neles, destilou misoginia e descreveu os hábitos libertinos das jovens europeias, exaltou a prostituição com adolescentes tailandesas, denunciou o perigo de a França se tornar um califado islâmico por aclamação popular em 2022 e denunciou a destruição da natureza e os maus-tratos a animais.

“Serotonina”, seu romance mais recente, ganhou uma tiragem inicial de 320 mil exemplares na França, e se esgotou ainda em janeiro de 2019, com imensa repercussão. Os críticos se dividiram: de um lado, chamaram pejorativamente o autor de “superstar das letras francesa”; de outro, de “gênio romântico provocador”. O livro chega ao Brasil pela Companhia das Letras, com tradução fluente de Ari Roitman e Paulina Wacht. Mencionar os tradutores é justificável, já que se trata da narrativa mais poética de um autor que se destacou desde o início pela poesia culta e por massagear o próprio ego.

Manias sexuais

Houellebecq emprestou o título do romance do neurotransmissor que gera sensação de bem-estar. O anti-herói da trama, o veterinário quarentão Florent-Claude Labrouste, depende de um medicamento antidepressivo que ativa a serotonina. Só assim alivia a sua “jornada rumo à extinção”. Florent defende os interesses de empresas alimentícias da Normandia junto à União Europeia. Por meio do personagem, Hourellebecq investiga a decadência da civilização. Florent sabe que os agricultores franceses estão fadados à desaparição diante da superprodução mecanizada dos produtos agrícolas da América do Sul. Prevê que os consumidores serão envenenados até a morte com a carne de frango, de galinhas depenadas e piolhentas torturadas nos tenebrosos aviários industriais. Teme que o lixo irá soterrar a Europa. E, por mais que persiga a promessa de felicidade nas mulheres (de preferência estrangeiras, para não ter de conversar temas profundos), elas sempre o decepcionam com suas incorrigíveis imperfeições, apesar do arsenal de cosméticos e outros disfarces que usam para “manter sua condição feminina”.
Quanto mais joga assuntos desconfortáveis ao rosto dos leitores, mais eles parecem gostar. Eis o segredo do sucesso de sua obra: ela espelha a sua biografia. Cada protagonista desdobra a sua personalidade, suas obsessões sexuais e sua busca pela redenção por meio do amor e da manutenção da fé em princípios eternos, como a lealdade incondicional a uma operadora de TV. “Estava decidido a me manter fiel a esse operadora, fiel até o último dos meus dias, isso era uma das coisas que a vida tinha me ensinado”, diz, pela voz de Florent. O niilismo que Houellebecq carrega é incurável e, como diz, por menos muita gente se suicidou. Mesmo assim, ele insiste em ser cada vez mais lido.

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