Ninguém pode – ou deveria – alegar ignorância em defesa própria, quando se tem todas as condições e ferramentas para o conhecimento e, principalmente, o autoconhecimento. Aos pobres de espírito, portanto, as devidas penas por seus atos levianos e ilegais.

Uma parcela gigantesca da sociedade brasileira foi capturada e, sim, deixou-se capturar pela tese fácil da ameaça comunista, seja lá o que diabos isso represente na cabeça das pessoas, e uma pauta de costumes hipócrita, mais falsa que nota de 3 reais.

Adultos com comportamentos duvidosos e para lá de questionáveis nos campos ético e moral, pessoas com vidas sexualmente incompatíveis com a chamada moralidade e bons costumes familiares, sonegadores de impostos e corruptos, posando de honestos.

Sedizentes cristãos, pregando e praticando violência e intolerância com o próximo, e separatistas, fazendo juras de amor à pátria (será que não têm a mínima noção de território, população, unidade, língua, moeda e governo?); uma verdadeira Torre de Babel.

A preguiça por estudo, ou o completo desinteresse pelo olhar sobre o muro da torpeza, tornou praticamente impossível o convívio amistoso e, eu diria, prazeroso, ou produtivo, entre amigos queridos e mesmo familiares, divididos entre realidade e fantasia.

O grau de dissonância cognitiva da parcela dos brasileiros que citei acima atingiu os píncaros do Himalaia às vésperas do segundo turno das eleições e, infelizmente, ainda que muito arrefecido, não baixou a níveis normais ou minimamente aceitáveis.

A terceira idade branca, de classe média, amontoada às portas dos quartéis, em orações ao Deus Exército, ou os tiozões e tiazonas do zap permanecem de prontidão, à espera do Messias que os abandonou faz tempo. E junto dele, outros deuses de barro.

Nesta quarta-feira (9/11) foi o dia de as Forças Armadas, ou de ínfima parcela destas, já que o grosso da caserna jamais embarcou, desembarcar da canoa furada do golpe e declarar, ainda que “pero no mucho”, a inexistência de fraude eleitoral.

No mesmo dia, um dos gurus do golpismo tresloucado, tido declaradamente como ídolo de muita gente burra – mas burra mesmo, de marré de si -, o jurista Ives Gandra Martins, jogou a toalha e, em um texto, afirmou o desproveito do tal artigo 142 às vias antidemocráticas.

Desdizendo o que havia quase dito, o doutor rechaçou a tese de “intervenção militar constitucional”, algo tão crível quanto dieta à base de picanha, torresmo e cerveja para a limpeza das artérias. Nem o “meu ídolo” se mantém na realidade paralela dos incautos.

Em sua talvez maior obra, Sonho de uma Noite de Verão, Shakespeare retrata os desencontros amorosos de quatro jovens, entremeando-os a deuses (Titânia e Oberon), trazendo – olha ela aí!! – uma realidade paralela ao mundo dos pobres mortais.

Bolsonaro não chega à cutícula do dedo mindinho do pé direito de Shakespeare, é claro, mas seus súditos fanáticos, ou dissonantes, protagonizam, sim, uma comédia bufa, com requintes de estupidez ilimitada, mostrando que nem sempre “a arte imita a vida”, mas o contrário, ainda que Hérmia, Lisandro, Demétrio e Helena assumam, no caso tupiniquim, a forma de uma gente feia, trajando a camisa da CBF.