Um país eternamente jovem está com dificuldades para lidar com seus cabelos brancos. Ficar vivo por mais tempo, o que deveria ser uma boa notícia para todos, virou um desafio econômico pessoal para os brasileiros — e uma bomba relógio de efeitos incalculáveis para o sistema de assistência social. Na parte baixa da pirâmide, onde estão os mais pobres, começa a ser sentido o aumento no número de idosos desamparados pela família. Os albergues públicos estão lotados e a demanda por vagas entre pessoas de mais de 60 anos não para de crescer, segundo estudo do Ministério do Desenvolvimento Social. Entre os mais favorecidos, o problema é de falta de poupança e planejamento. Levantamento recém-concluído pelo Banco Mundial indica que os brasileiros de todas as idades são pouco precavidos, parecem ocupados demais com seus problemas no presente e não estão se preparando para a velhice. Apenas 11% declaram fazer economia para o futuro, contra uma média global de 21%.
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Envelhecimento rápido
“A situação é muito grave e só tende a piorar. As pessoas não conseguem fazer um pé de meia para ter uma renda estável e segura depois que se aposentam”, afirma Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil. “É natural que cresça o número de pessoas idosas que vivem sozinhas porque a população em geral está envelhecendo, mas o crescimento é muito alto e o número de instituições de longa permanência ou asilos não é suficiente para atender às necessidades.” Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2012 e 2017, a população de idosos no País saltou 19,5%, de 25,4 milhões para mais de 30,2 milhões de pessoas. No mesmo período, o número de homens e mulheres com 60 anos ou mais nos albergues públicos cresceu 33%, de 45,8 mil para 60,8 mil. Se forem considerados também os alojamentos privados, a cifra sobe para 100 mil. O desamparo familiar cresce mais rápido que a expectativa de vida — e o País carece de um projeto para reforçar os cuidados prolongados e a assistência na velhice.
O motorista Valter Alves, 64 anos, que há quatro meses se instalou em um centro municipal de acolhida para idosos no bairro de Pinheiros, em São Paulo, é um dos novos moradores desses alojamentos públicos. Alves, que trabalhou a vida toda dirigindo carros e caminhões, fez parte do quadro de funcionários de uma floricultura, de um banco, e chegou a pilotar um guincho, nunca conseguiu guardar dinheiro para se sustentar na velhice. Agora, às vésperas da aposentadoria, marcada para janeiro do ano que vem, ele também desistiu de procurar trabalho. “Por causa da idade, as pessoas acham que você não consegue mais fazer as mesmas coisas”, lamenta. Alves foi casado por 25 anos, é pai de quatro filhos e avô de seis netos. Costuma receber visitas dos familiares e, apesar do isolamento, diz gostar do abrigo, que considera “sossegado”. “As pessoas são tranquilas e de fácil convivência”, afirma. “Não tenho muito que fazer por aqui, mas eu gosto de dominó e ajudo na cozinha lavando louça de vez em quando”, diz ele.
“O segmento da população que mais cresce atualmente é acima dos 80 anos”, afirma Fernando Albuquerque, pesquisador do IBGE. Segundo ele, o perfil demográfico do País em 2030 será muito diferente do que temos hoje”. Se atualmente 14% da população é considerada idosa, daqui a 30 anos esse percentual será de 30%. Isso significa uma redução da força produtiva e uma elevação dos custos assistenciais. Há também o problema do enfraquecimento dos laços familiares na nova sociedade. A família, agora, não é mais aquela tradicional que sempre destacava alguém para cuidar dos mais velhos. Ao mesmo tempo, falta um Estado que compense essa deficiência com políticas públicas que protejam os desamparados. “Essas políticas são necessárias para atender uma população que está envelhecendo mal, num país em crise e com cortes nas despesas em educação e saúde”, diz Kalache.
Boa convivência e visitas dos filhos
O engenheiro aposentado Adrian Saranga, 77 anos, vive desde 2016 num alojamento público na zona Oeste de São Paulo. Sem recursos, ele não tem outra opção. Seu consolo é receber visitas dos filhos todas as semanas. “Tenho uma boa convivência com os outros 29 idosos que moram aqui, conversamos muito e vemos televisão”, diz. “Antigamente eu também gostava de ler, mas agora não tenho mais paciência.”
O engenheiro Adrian Saranga, 77 anos, também vive num alojamento em São Paulo. Ele veio com 26 anos da Romênia para o Brasil. Aqui, conseguiu aprender seu quarto idioma, o português. Ele também fala romeno, francês e russo. “O engraçado, é que me formei em engenharia, mas nunca trabalhei com isso”, recorda. No Brasil, ele teve uma empresa de materiais de construção e trabalhou como gerente de vendas, até que, aos 70 anos, se aposentou. Há dois anos, foi morar no abrigo. “Amigos eu não posso dizer que tenho. Amigo mesmo você tem um ou no máximo dois na vida toda”, afirma. Porém, ele diz que tem uma boa convivência com os outros 29 idosos que moram com ele: “Conversamos, vemos televisão. Antigamente eu também lia muito, mas agora não tenho mais paciência.”
As estatísticas mostram que o brasileiro se prepara mal para enfrentar o momento em que sua a sua força produtiva se esgota. Mesmo sem poder contar com um Estado que garanta um bem-estar aos idosos, a imensa maioria da população não pensa no futuro de maneira pragmática. Um levantamento feito pelo Banco Mundial revela que a formação de uma poupança privada no Brasil para sustentar os idosos do futuro também deixa a desejar. Em um ranking de mais de 144 países, o Brasil ocupa um modesto 101° em reserva de aposentadoria, atrás de várias nações latino-americanas e muito abaixo de países desenvolvidos, como o Canadá e os Estados Unidos. Em 2017, apenas 11% dos brasileiros declararam poupar para a velhice. No Canadá esse percentual é de 59%. “Não é só um problema da pobreza”, diz Kalache. “O brasileiro não tem educação financeira. É a falta de precaução”. A falsa ideia de que o Brasil é um País de jovens está revelando uma realidade preocupante. Há um déficit na percepção de que é preciso fazer um esforço para ter uma renda confortável para um futuro cada vez mais longo. Sem isso, ter uma velhice digna será privilégio de uma minoria de brasileiros.
À espera da aposentadoria
O motorista Valter Alves, 64 anos, se instalou, há quatro meses em um centro municipal de acolhida para idosos no bairro de Pinheiros, em São Paulo. Trabalhou a vida inteira, mas nunca conseguiu guardar dinheiro para se sustentar na velhice. Agora, às vésperas da aposentadoria, ele também desistiu de procurar trabalho. “Por causa da idade, as pessoas acham que você não consegue mais fazer as mesmas coisas”, lamenta.