O ministro Luís Roberto Barroso comandará neste domingo, 15, como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), uma das maiores eleições do País, com recorde de 148 milhões de eleitores aptos a votar, praticamente o mesmo número de votantes americanos. Ao retornar dos EUA, onde acompanhou, como observador, o caótico processo de apuração, Barroso está convencido de que o voto eletrônico brasileiro é confiável e seguro. “Desde que as urnas eletrônicas foram implantadas, em 1996, nunca houve um único episódio de fraude, ao contrário do que acontecia com o voto em papel.” Segundo ele, quando se encerrar a votação, às 17 horas, as urnas imprimirão a parcial dos votos de cada máquina e o resultado será passado aos candidatos, partidos, aos TREs e, finalmente, ao TSE, que deverá anunciar os resultados finais ainda na noite de domingo. Para o magistrado, se o voto brasileiro fosse impresso, ou em cédulas, como muitos desejam, incluindo o presidente Bolsonaro, o processo seria lento e abriria espaço para a judicialização, como ocorre nos EUA. Após as eleições, Barroso já tem planos para a modernização da votação ainda maior, permitindo aos cidadãos votarem pelos seus próprios celulares e tablets e isso já para 2022.

O senhor acompanhou as eleições nos EUA, onde um presidente comprometido com a democracia derrotou um populista. Acha que esse exemplo pode chegar ao Brasil?
O mundo foi atingido por uma onda populista, conservadora radical e autoritária, que afetou vários países. Essa onda varreu o mundo, mas é possível que esteja começando a arrefecer. Me refiro ao conservadorismo radical, que não aceita o outro, quer retirar seus direitos e não aceita a derrota. Porque o conservadorismo em si é uma das opções legítimas dentro do espectro político. A minha preferência é pela preservação da democracia e o funcionamento adequado das instituições.

Como vê a postura do governo brasileiro de não reconhecer a vitória de Biden?
Tenho opiniões pessoais, mas acho que o presidente do TSE não deve interferir em uma matéria do Itamaraty. No meu twitter pessoal, eu saudei as eleições norte-americanas e o próprio presidente eleito.

Ao contrário do que aconteceu nos EUA, a apuração das eleições brasileiras deverá terminar ainda no domingo?
Eu não gosto de fazer previsões, mas a expectativa é essa. Logo que as urnas fecharem, às 17h, começaremos a contabilizar os votos. Quando uma urna se fecha, é emitido um boletim impresso com o resultado parcial daquela urna, que é distribuído aos candidatos e aos partidos. Em seguida, os números são enviados ao TRE, que os envia ao TSE, para que sejam totalizados e os resultados gerais divulgados. Assim, os candidatos podem controlar seus votos e a expectativa é que até o final do domingo possamos divulgar os resultados finais.

E as urnas eletrônicas são seguras?
Eu sou juiz e trabalho com fatos e provas, não com opiniões, nem com retórica política. Nunca se documentou nenhum episódio de fraude em relação às urnas eletrônicas desde que entraram em funcionamento, em 1996. Portanto, até aqui elas se revelaram confiáveis, ao contrário do que acontecia com o voto em papel, quando foram registradas muitas fraudes. Portanto, até que alguém me traga algum elemento que prove o contrário, eu confio no nosso sistema de votação.

Por que o TSE entende que o voto impresso, proposto até pelo presidente Bolsonaro, não é viável?
Porque quem perdesse iria pedir a conferência dos votos impressos e teríamos uma enorme procrastinação dos resultados e, provavelmente, haveria uma grande judicialização, pois todo mundo iria tentar encontrar algum tipo de inconsistência. Estaríamos mexendo em time que está ganhando.

Apesar de eleito pelas urnas eletrônicas, Bolsonaro tem dito que pode ter havido fraude em 2018. Como o senhor vê esse tipo de suspeita?
Eu julgo os processos quando eles aparecem. Respeito o presidente, mas se ele, ou qualquer outra pessoa, me trouxer provas, eu vou examinar. Agora, sem fatos e provas não há nada que eu possa fazer.

Então por que há essa desconfiança?
Sob esse modelo de urnas eletrônicas foi reeleito o presidente Fernando Henrique Cardoso e foram eleitos e reeleitos os presidentes Lula e Dilma, além do atual presidente, com mandato em curso. Com um detalhe importante: os resultados das urnas coincidiram com os resultados das pesquisas. Portanto, não houve sequer uma luz amarela para que a gente pudesse desconfiar. Quando as pesquisas erram, como aconteceu nos EUA, pois davam maioria muito grande a Joe Biden, pode-se até parar para pensar. Enfim, não há nenhum indício de algo errado com as urnas eletrônicas brasileiras.

Tem algo negativo no nosso processo de votação?
O único problema é que as urnas eletrônicas custam caro e precisam ser substituídas periodicamente. A cada dois anos, nós temos de substituir 20% das máquinas. São 500 mil e a cada dois anos temos de trocar 100 mil delas, porque elas vão se tornando obsoletas. E o processo de licitação é tormentoso. Eu não sou apaixonado pelas urnas eletrônicas. Eu sou apaixonado pelas eleições limpas.

Qual o custo para substituir essas urnas defasadas?
Custa de R$ 700 milhões a R$ 800 milhões cada licitação de substituição dos equipamentos. E como boa parte desse material é importado, esses valores devem ter aumentado bastante, já que os preços são todos dolarizados.

E como resolver esse problema?
Lancei um projeto chamado “Eleições do Futuro”. Convocamos empresas de tecnologia para apresentarem novos modelos de eleição digital, de preferência utilizando o próprio dispositivo de cada pessoa, como o celular ou tablet. Apareceram 31 empresas interessadas em fazer testes durante as eleições deste domingo, com simulações para novos modelos. Recebendo essas propostas, vou me reunir com meus sucessores no TSE para as próximas eleições, que são os ministros Luiz Edson Fachin e Alexandre de Moraes, para discutirmos a viabilidade de implantarmos o modelo já em 2022. Mas tudo vai depender do que essas empresas vão nos oferecer este ano.

O senhor disse que a volta do voto impresso proposto pelo presidente seria um retrocesso e custaria até R$ 2,5 bilhões. É isso mesmo?
Eu estava fora do Brasil como observador das eleições americanas e comentei sobre o retrocesso do voto impresso sim, sem saber que o presidente o tinha defendido na véspera. Senão eu não teria usado essa palavra em respeito e consideração a ele. Mas acho que voltar a um sistema menos confiável, e que abra flanco para a judicialização, não seja uma coisa positiva.

Essa eleição terá ainda um problema adicional, que é a pandemia. Pode haver aumento das abstenções, normalmente estimadas em 20%?
As sinalizações da sociedade são no sentido contrário. A campanha do TSE para recrutar mesários voluntários atraiu quase 1 milhão de pessoas. O que revela um desejo de participação. Temos 550 mil candidatos em todos os 5.569 municípios. Portanto, os indicadores que temos é de uma participação maciça da população. Os jovens estão mobilizados, incluindo os que são jovens há mais tempo. Afinal, ter hoje 70 anos é o mesmo do que os novos de 50 e essa gente ainda vai viver muitos anos mais. Portanto, deve participar da escolha dos dirigentes de suas cidades, pelo seu futuro e o dos seus filhos e netos.

E para proteger as pessoas que receiam se contaminar, o que está sendo feito?
Nós tomamos muitas medidas de segurança. Obtivemos milhões de produtos junto à iniciativa privada, como a doação de nove milhões de máscaras para os mesários, dois milhões de face shields e dois milhões de frascos individuais de álcool gel. Para proteção dos eleitores, teremos mais de um milhão de litros de álcool gel para limpeza das mãos na entrada e na saída da sessão eleitoral, além de marcadores adesivos para o chão para o distanciamento social e 500 mil canetas. Temos um protocolo de segurança desenvolvido pela Fundação Oswaldo Cruz e pelos hospitais Sírio Libanês e Albert Einstein, e estamos explicando à população com comunicados e cartazes. Se cumprirem essas recomendações médicas, o risco de contaminação é mínimo.

A falta de energia inviabilizará as eleições no Amapá?
Nos últimos dias, falei com o presidente do TRE do Amapá, com o diretor geral do ONS e com o diretor da Aneel e todos me asseguram que até o final de semana o fornecimento de energia estará regularizado e que será possível realizar as eleições sem sobressaltos. Por segurança, o TSE enviou 1,2 mil baterias sobressalentes para as urnas. Pedi que os locais de votação tenham luz natural, pois assim as urnas funcionarão e, do ponto de vista eleitoral, o problema estará equacionado. Manifesto, porém, solidariedade ao povo do Amapá, porque não foi apenas a falta de eletricidade. Houve perdas de alimentos, falta de água e desabastecimento. Uma situação trágica que muito me sensibilizou.

O que o TSE tem feito quanto às denúncias de desrespeito na distribuição de 30% do fundo eleitoral de R$ 2 bilhões para as mulheres candidatas?
Temos duas situações específicas. Destinação de verbas próprias para mulheres e para candidaturas negras. No caso das candidaturas femininas, o Tribunal foi duríssimo em relação às candidaturas laranjas, onde mulheres eram colocadas nas chapas, mas não era pra valer. Recebiam dinheiro do fundo e tinham votação irrisória, Na verdade, faziam campanha para o marido, filho ou para outra pessoa do sexo masculino. No caso de Valência, no Piauí, o TSE cassou a chapa inteira e todos perderam os cargos, homens e mulheres, porque consideramos que houve fraude. Espero que essa sinalização seja suficiente para desestimular os partidos a cometerem esse tipo de irregularidade. Onde houver má fé, a Justiça vai intervir.

O TSE está preparado para enfrentar as questões de caixa dois e corrupção eleitoral nesta eleição?
Tenho informações de que o caixa dois caiu de maneira muito substancial e hoje já é residual. Mas só vamos resolver esse problema quando conseguirmos baratear o custo das eleições. Para isso, precisamos mudar o sistema eleitoral para o sistema distrital misto.

Como fazer isso?
Assim que passarem as eleições, vou me empenhar junto às lideranças políticas para que essa agenda possa andar no Congresso. Enquanto não se baratear o custo das eleições, sempre corremos o risco de haver corrupção eleitoral.