No último domingo eu caminhava pela Avenida Paulista quando passei por um homem com a camisa da Seleção, assobiando a melodia “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor”. Confesso que me causou mais calafrios do que se tivesse ouvido a marcha fúnebre. Em primeiro lugar, porque acredito que hoje temos pouquíssimas razões para ter orgulho do Brasil.

E depois, porque qualquer cidadão de bom senso que analisar a votação do primeiro turno verá que metade dos brasileiros têm uma noção bastante peculiar do que significa a palavra ‘amor’.

Diziam que a pandemia transformaria o mundo. Que sairíamos seres humanos melhores da tragédia que matou 18 milhões de pessoas em apenas dois anos – 687 mil no Brasil – , de todas as raças, credos e classe sociais. Ouvi que a tragédia faria o planeta olhar para o que é realmente importante: cuidar dos necessitados, ter mais empatia, valorizar as relações humanas.

No Brasil aconteceu o contrário. Metade do País votou em um líder que fez pouco caso dos mortos. Nem o maior vilão da história, Adolf Hitler, fez piada com a morte de alemães. Mas o presidente do Brasil zombou dos brasileiros que morreram.

Não é novidade nenhuma: há imagens, vídeos. Ele não apenas imitou pessoas morrendo, com falta de ar, como fez tudo que estava ao seu alcance para que as pessoas não tivessem acesso às vacinas que nos salvariam. Até hoje me pergunto: por quê? Por que impedir o acesso a algo que salvaria vidas? Sinceramente, não consigo entender.

O bolsonarismo é uma questão de caráter nacional. Entre um investigado por contrabando de madeira e a ambientalista Marina Silva, votamos no investigado

Os “eleitores de bem” também concordam com o aumento de armas na sociedade. Acho bizarro alguém racional imaginar que o Brasil, que já tem índices de assassinatos semelhantes a países em guerra civil, deva liberar o acesso a fuzis. Quem vota no presidente concorda com isso.

A verdade é que essa eleição nunca foi sobre corrupção, como alguns querem se enganar. Até porque há provas de que o presidente lidera um esquema que extorque funcionários públicos há décadas. O bolsonarismo é uma questão de caráter nacional.

Diz muito sobre quem somos como Nação. Basta dizer que entre Ricardo Salles, investigado por contrabando de madeira ilegal, e a ambientalista Marina Silva, que dedica a vida a defender a Amazônia, o investigado teve três vezes mais votos. Nessa lavagem cerebral coletiva em que nos afundamos, parece que temos cada vez mais orgulho do nosso ódio.