Um abrangente trabalho divulgado pela conceituada revista científica norte-americana The Lancet, entitulado Carga Global de Doenças, Lesões e Fatores de Risco (GBD), mostrou pela primeira vez que, em todo o mundo, doenças como o câncer podem ser adiadas. Mais: o estudo aponta que praticamente a metade das mortes (44,4%) causadas por tumores poderia não ter ocorrido. Como? Por meio de mudanças na vida das sociedades. A pesquisa atingiu duzentos e quatro países entre os anos de 2010 e 2019 e examinou vinte e três tipos de tumores e trinta e quatro fatores de risco. O trabalho afirma categoricamente que tal quantidade de óbitos ocorre por razões evitáveis e, por conseguinte, modificáveis. Alterar de maneira radical o jeito que a coletividade vive parece ser algo complexo, mas os pontos detalhadamente estudados são exatamente os mesmos a serem modificados.

A conclusão do estudo indicou que causas comportamentais, ambientais e metabólicas estão relacionadas diretamente com as neoplasias. Raphael Brandão, chefe da oncologia do Hospital Moriah e fundador da Clínica First, em São Paulo, entende que apesar de o trabalho tratar de aspectos que já fazem parte do rol de cobranças médicas em qualquer consultório, a novidade estatística é muito significativa. “O relatório serve como parâmetro para mudanças na sociedade” diz. Primeiro, as pessoas devem parar ou, pelo menos, reduzir o consumo de tabaco e álcool; valer-se de proteção quando da prática do sexo para que não haja contaminação por infecções sexualmente transmissíveis (DSTs). Depois, com o mesmo rigor analítico, a The Lancet traz um vilão bastante conhecido das grandes cidades, a poluição do ar. Ou seja, trata-se de mais um estudo de excelência científica que reitera a necessidade de se limitar o volume de emissões de poluentes.

Da mesma forma, o estudo defende o cuidado com a exposição a elementos tóxicos como, por exemplo, o amianto e defensivos agrícolas. Nesses casos os esforços são relativos aos sistemas políticos e organizacionais de cada nação. O que faz pensar que o envolvimento da população é essencial à manutenção da saúde. Por último, mas com a mesma importância e seriedade, a análise se deu sobre aspectos metabólicos. Em outras palavras, a dieta das pessoas, a elevação do Índice de Massa Corpórea (IMC) e o crescimento do diabetes são pontos que acentuam a ocorrência do câncer globalmente. A solução depende da conscientização individual e do desenvolvimento de estratégias em saúde pública. “Por isso devemos investir em prevenção. A medicina ainda é reativa, precisamos ser proativos e evitar o surgimento da doença”, diz Brandão.